Tetra? Na minha casa não. - Fagner Lemos

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Clarisse, era palmeirense desde seus quatorze anos, quando aprendeu que torcer estava além do que o pai lhe tinha ensinado

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Clarisse, era palmeirense desde seus quatorze anos, quando aprendeu que torcer estava além do que o pai lhe tinha ensinado. Torcer era sentir na pele cada reação de um jogo tenso, a dor de uma eliminação, ficar brava com jogadores e até mesmo a felicidade de se sagrar campeã de uma competição. A mulher, se considerava uma torcedora fanática, parava o que estivesse fazendo para acompanhar um jogo do clube do coração, tinha até mesmo seu humor regulado por conta dos acontecimentos.
Clarisse, queria que seu companheiro fosse igualmente fanático, se não nunca daria certo.
Seu pedido foi atendido.
Ou pelo menos em partes.
Seu marido, era um fanático, não pelo clube alviverde, mas sim, por um dos maiores rivais do antigo Palestra Itália. Fagner era corinthiano, não apenas isso, o baixinho era também jogador do clube do Parque São Jorge.
Quando o Campeonato Paulista se aproximava da fase de mata-mata, o clube da zona leste, estava praticamente rebaixado, uma derrota contra o Palmeiras naquela quarta-feira, significaria praticamente estar na série A2 no ano seguinte. Para a raiva de Clarisse e a felicidade do lateral direito, o clube alvinegro, marcou o único gol daquela partida, talvez por uma pequena falha do goleiro Weverton, talvez por muita sorte.
Como diziam alguns torcedores, deus era corinthiano.
O clube respirava por aparelhos na competição, dependia de uma infinidade de combinações de resultados. A teoria sobre o criador, parecia quase verdadeira, afinal, as combinações aconteceram e o clube conseguiu se arrastar até a final.
No primeiro jogo da final aconteceu na Arena Corinthians, foram noventa minutos de poucas emoções, um jogo morno, diriam alguns. Para Clarisse, uma chatice, queria que o Verdão marcasse pelo menos um gol, detestava aquela história de decidir em casa, era sempre mais confortável ter uma pequena vantagem, entre tanto, era melhor um empate do que um gol do rival. A moça, confiava em partes no time, sabia que os meninos estavam sentindo a ausência de Dudu, que havia deixado o clube em meio polêmicas em sua vida pessoal, o time também, parecia sem vontade, não parecia haver nenhum vestígio de raça entre os mais velhos, em sua opinião, a maior parte do elenco caríssimo, não tinha nenhum amor pela camisa que defendiam.
Naquele domingo, ela acordou sozinha no apartamento do casal, eles haviam se casado alguns anos atrás, poucos meses antes dele se mudar para a Alemanha. Eles viviam aquela rotina de estrese pré e pós Dérbi Paulista, desde que começaram namorar ainda no colégio, estavam juntos há dezesseis anos — o jogador ainda estava nas categorias de base do clube.
Clarisse havia despertado graças ao toque estridente de seu telefone celular, piscando com a foto de seu marido.
— Oi. — Disse com a voz sonolenta.
— Bom dia querida, espero que tenha dormindo bem.
— Dormi, feito um anjo, é muito com quando você não está roncando ao meu lado. — Disse de forma provocativa.
— Ah, é claro. — Ele disse de forma desinteressada. — Tenho um recado do seu amigo Gabriel, ele mandou avisar que a Lei do Ex não falha.
— Aí, avisa esse bosta que ele não marca gol nem no treino. — Ela revirou os olhos, odiava Gabriel Girotto. — Fagner Conserva Lemos, você me acordou antes das nove da manhã pra dar recado do "Capirotto". — Usou a forma carinhosa a qual se referia a Girotto.
— Claro que não, liguei para ouvir você me desejando boa sorte no jogo e dizendo que eu sou seu campeão.
— Vai morrer esperando isso. — Bufou, nunca dava tempo de esquecer como ele sabia irrita-la por conta da rivalidade. — Tomara que o Felipe Melo te parta ao meio.
— Credo Clarisse. Bate na boca. — Ela riu.
— É brincadeira, não quero que você se machuque, é claro. — Disse de forma tranquila. — Voltarei a dormir, cuidado, te amo. — Fez uma pausa. — Até às 16:30 pelo menos, depois disse já não posso responder por mim.
— Vou fazer um gol pra você, pode esperar.
— Sentada ou deitada? — Riu.
— Preciso desligar, vou tomar café com os meus companheiros.
Clarisse tentou voltar a dormir, mas não conseguiu mais, estava irritada com o marido, ele sabia o quanto ela detestava o companheiro de clube dele, por conta da maneira que ele saiu do Palmeiras, nunca conseguiria perdoar o rapaz pelas palavras que disse. Rolou para o lado da cama onde Fagner costumava dormir, não encontrando o cheiro dele ali, já que estava confinado no CT desde o retorno aos treinos, estava com saudade dele, não podia mentir, mas ainda considerava a ideia de dormir no sofá dependendo do resultado do jogo.
Ela sempre fazia isso, bastava o Palmeiras perder para o Corinthians que ela ia para o sofá, por puro drama, sabia que Fagner não a deixaria ali, iria deitar ao seu lado e ficar quieto, sem dizer uma palavra, apenas lhe fazendo um cafuné até pegarem no sono. Ela gostava daquela sensação, pelo menos até a manhã seguinte, antes de acordar toda quebrada.
Clarisse, tinha algumas coisas para arrumar até o jogo começar, e se mostraria para o marido, também dependia do resultado da partida, se ele estivesse muito animado, ela estaria extremamente triste, não teria clima para aquela novidade, se o oposto acontecesse, talvez pudesse anima-lo um pouco. Ele esperava por aquilo tanto quanto ela. Todo aquele isolamento, tinha servido para alguma coisa.
Para a mulher, parecia que chegaria o Natal e a hora do dérbi não, tinha feito todas as coisas possíveis e ainda faltava um pouco mais de uma hora. Precisava encontrar mais uma maneira de se distrair, acabou optando por um banho um pouco mais longo do que estava acostumada, verificou se estava tudo certo para quando o marido voltasse, estava com tanta saudades e não via a hora dele retornar. Se olhou no espelho, apenas de calcinha, contemplando seu reflexo, parecia exatamente igual todas as vezes anteriores, odiava esse costume, Fagner o achava engraçado, segundo ele, nunca conseguiria entender o motivo dela se observar tanto no espelho.
Ela se sentou em frente a grande televisão da sala, ativando a função futebol e ligando o sistema de som, queria se sentir no estádio, já que não podia ir para sua segunda casa. Clarisse, achou que choraria quando o rival abriu o placar depois de uma falha de Matías Viña, ela xingou o garoto recém chegado ao time, e agradeceu pela jogada estar impedida, respirou mais aliviada.
Tinha certeza que não chegaria ao final daquela partida com as unhas intactas.
O intervalo pareceu durar quinze horas em vez de quinze minutos. Três quartos da final haviam se passado e tudo indicava que iriam para os pênaltis, era a última coisa que a mulher queria, sabia que Cássio era muito bom e não confiava tanto assim no seu goleiro.
Foi logo no início da última metade do jogo que em um lance de visão, Matías Viña, lançou uma bela bola para Luis Adriano que cabeceou de forma precisa para o fundo do gol. A mulher pulou e gritou na frente da televisão, sem se preocupar se o vizinho de baixo iria reclamar ou o que, queria extravasar, lamentou não poder gritar da janela um "chupa Corinthians" que ficou entalado em sua garganta.
O restante do jogo passou rapidamente, não estava sendo polêmico com arbitragem, o que já era uma ótima notícia. Sei coração ficou em pedaços quando viu Fagner com a mão no tornozelo pela segunda vez, lembrou-se de suas palavras mais cedo naquele dia, não imaginou que chegaria a acontecer, ficou com uma sensação de culpa. Não pensou muito mais em sua possível culpa, afinal, ainda restava um bom tempo de jogo.
Faltavam apenas alguns segundos para o juiz apitar o final do jogo, era o vigésimo terceiro título do time paulista, quebrando a então sequência que o Corinthians impunha no campeonato desde 2017.
49:50 do segundo tempo.
Foi onde tudo poderia começar a dar errado. Gustavo Gómez, o zagueiro, derrubou um jogador na área, o árbitro de vídeo foi acionado, Clarisse, entrou em desespero, seu coração estava acelerado, e andava pelo meio da sala xingando o paraguaio dos piores nomes. O juiz marcou o pênalti que foi convertido com sucesso.
Ela estava a beira das lágrimas. Não queria que o rival conquistasse outro título em sua casa, não era justo, já haviam doze anos desde que levantaram a taça do estadual, estava na hora, e por coincidência, o técnico na beira do gramado, era o mesmo da conquista de 2008, Vanderlei Luxemburgo.
Quando Patrick de Paula, converteu o último pênalti, garantindo o título para o Palmeiras, Clarisse gritou, como se sua vida dependesse daquilo, como se fosse a primeira vez em que viu seu time campeão. Ela dizia não se importar com a competição, que era apenas uma pré temporada, mas a verdade era que naquele momento, a taça era a coisa mais importante em sua vida, não existia mais nada em sua frente além do título.
O futebol, havia retornado da melhor forma possível.

Coletânea de Contos - Jogadores de futebol. Where stories live. Discover now