All-In - Martín Benítez

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Quando se muda de país, tudo que você deseja é talvez estar junto de seus conterrâneos, não era diferente para mim, gostava de estar com Germán Cano quando estive no Vasco, gostava  agora de ter a companhia do Emiliano e até pouco tempo atrás, era...

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Quando se muda de país, tudo que você deseja é talvez estar junto de seus conterrâneos, não era diferente para mim, gostava de estar com Germán Cano quando estive no Vasco, gostava  agora de ter a companhia do Emiliano e até pouco tempo atrás, era ótimo estar com Crespo.
Hernán era a melhor companhia que tinha, mas o que havia mudado, ainda não conseguia entender, era óbvio que isso era uma retaliação pelo que passou entre sua sobrinha e eu.
Não imaginava que um rosto bonito, uma boa conexão, me levaria para um abismo como o que estou agora.
As pessoas poderiam ter etiquetas escrito “cuidado”.

Esse deveria ser mais um dia tranquilo de folga, Rigoni e eu estávamos no meio de uma partida de Call of Duty. Era essa a rotina de quem dividia o apartamento, algumas vezes enjoava da cara dele, passamos 24 horas juntos. Tudo que precisava eram cinco minutos longe de Emiliano. Quando encerramos a partida, já larguei o controle na mesa de centro indicando que não jogaria outra vez. Peguei meu celular a fim de buscar algum programa que não incluísse ele. Ele me encarava curioso, mas não disse nada.
A tela do meu celular mostrava o Tinder, não era a melhor opção, mas apesar de querer sair com alguém, se envolvesse ir até algum lugar, ele iria comigo. Não estava atirando para qualquer lado, mas dava match em varias garotas, apenas aguardando que uma delas correspondesse, não me considerava um cara feio, não podia ser tão difícil assim.
Aquela mulher em específico chamou minha atenção.
Luciana Rojas, 25 anos. Estudante de Relações Internacionais, USP Leste, intercambista argentina.
Talvez fosse a oportunidade que eu precisasse, se ela fosse como eu, iria gostar de ter alguém do seu país para conversar. Ou poderia ser o oposto, ela estivesse interessada em sair apenas com brasileiros, era um risco que eu corria, mas preferia não pensar nessa questão.
— O que tem de tão interessante aí, Martín? — Ele me perguntou.
— Estou vendo se arrumo uma parceira para essa noite. — Respondi sem muito entusiasmo.
— Pela sua cara, não está indo muito bem… — Revirei os olhos para ele, no instante que chegava a notificação do aplicativo
— Ai que você se engana, acabei de conseguir um match com uma argentina.
— Cadê? — Ele disse curioso se jogando na minha direção.
— Dá licença. — Bloqueio a tela do celular.
Troquei poucas mensagens com ela até decidirmos nos ver  ainda naquela noite. Informei ao meu companheiro de apartamento que tinha um plano e se quer sabia se voltava para casa naquela noite.
— Vou chamar o Tiago pra sair, estou cansado de ficar em casa e não quero ficar sozinho. — Ele também estava cansado da minha cara.
— Tudo bem. Divirtam-se, não fiquem bebendo na frente das crianças. — Digo de forma brincalhona, afinal os filhos de Tiago, não estavam com ele.
— Pode deixar.
•••
Não fiquei pensando muito no que usaria naquele encontro, não havia o que fazer e esse era um dos principais motivos que eu agradecia por ter nascido homem, não precisa me preocupar por horas sobre o que vestir. Encontraria com Luciana em uma hora no meu restaurante favorito em São Paulo, ser jogador tinha suas vantagens quando você precisava reservar lugares.
Luciana estava deslumbrante. Usava um vestido florido longo, mesmo de salto ela ainda era bem mais baixa que eu, ainda assim, graciosa, ela era melhor ao vivo.  Não poderia negar o quanto estava encantado com o sorriso que ela me lançou.
Um sorriso que me lembrava algo ou alguém. Mas não sabia dizer quem.
— Oi. — Ela disse me abraçando.
— Olá, você é linda. — Era a pior coisa que poderia ter dito naquele momento, mas agora já tinha ido, estendi meu braço para que entrássemos juntos no restaurante. — Martín Benítez. — Digo para a moça que estava na porta e ela nos conduziu para a mesa que estava reservada  para nós.
Luciana  estava calada ao meu lado, era confortável.
Nossa noite seguia com tranquilidade entre risos e taças de vinho, a mulher era uma ótima companhia para mim naquele momento.
Terminamos em sua casa, já que ela estava sozinha.
Luci morava com o tio a poucos dias e segundo ela, ele havia ido viajar pelos próximos dois dias já que estava de folga, era o mesmo tempo que eu, mas em nenhum momento pretendia ficar lá com ela, mas pelo menos ela poderia ir para minha casa no dia seguinte.
E foi exatamente isso o que aconteceu.
Felizmente, Emiliano tinha arrumado seu próprio programa dos dias seguintes, o que me dava total liberdade no apartamento. E com isso poderia fazer tudo o que quisesse e no lugar que desejasse.
•••
Se pudesse voltar seis meses no tempo, faria isso e cancelaria a minha ideia de buscar uma companhia no Tinder naquela fatídica noite.
Óbvio, não poderia desconsiderar as coisas boas que me aconteceram nos 180 dias que se passaram daquela noite, mas não eclipsam o momento atual. 
Era minha carreira em jogo.
Um preço muito alto a se pagar.
Algo que estava pagando sem querer.
Gostava  de estar com ela, mas haviam mais pontos contras do que a favor. Era estranho estar saindo com a sobrinha do técnico.
Eu não sabia  disso, ela não sabia disso.
Descobrimos um mês depois, quando tomamos a decisão de firmar um relacionamento, lembro-me do desespero quando ela me passou o endereço e vi que era o mesmo prédio onde Hernán morava, ela estava comigo e eu não sabia o número do apartamento, quando paramos na frente do 633, meu peito gelou. Aquilo não podia ser real, nem em anos aquilo passaria em minha mente, algo que eu deveria ter notado na primeira vez que estive ali, mas estava cego pelas minhas próprias vontades que sequer notei. .
Aquele poderia ter sido o melhor encontro de família, e foi.
Crespo pelo menos confiava em mim e dizia  que  poderia ficar tranquilo em relação ao tipo de pessoa com quem a sobrinha  estava envolvida.
O problema é que uma relação nem sempre é estável, e quando o pessoal está ligado ao profissional é uma mistura perigosa.
Era a química mais arriscada.
O All-in da vida, e as cartas tinham tudo para dar errado.
A bem verdade, Luciana e eu, descobrimos ser bem diferentes, e nossa relação deixou de dar certo três meses depois.
Três meses que levei uma situação que não me cabia mais, tudo isso por respeito a Hernán. E um pouco de medo pelo que se seguiria caso terminasse meu namoro relâmpago com Luciana.
Já estava difícil conseguir uma boa sequência de jogos devido às lesões que vinha sofrendo nos últimos meses e  agora precisava lidar com a situação de que Crespo não me dava sequer uma minutagem de jogo.
Esse era um jogo importante, era quartas de final da Libertadores.
Sabia que estava em condições para aquele jogo.
O que se seguiria? Não precisava ser nenhum gênio para saber que o banco viria nos 180 minutos seguintes ou talvez ele me desse pouco tempo em campo.
Tempo que justificaria facilmente minha ausência no campo.
•••
O all-in que coloquei na mesa com as cartas incertas em minha mão, custavam uma sequência de jogos e a minha infelicidade nos últimos meses.
O jogo do amor, não pode ser jogado de qualquer forma.
E nesse jogo, fiz as piores escolhas.

Coletânea de Contos - Jogadores de futebol. Where stories live. Discover now