Me sentia tão acolhida naquela casa que não queria ir embora. Se não fosse por Leo, aquele lar seria perfeito. Durante o jantar, ele ficava sempre olhando para mim de um jeito estranho. Era como se estivesse me vendo nua pelas caras que fazia. Sempre que podia, o garoto ainda deixava alguma coisa cair e me dava a impressão de que estava encarando minhas pernas sob a mesa.

Tentei me convencer durante um bom tempo de que não era isso, até porque ninguém mais parecia estar notando algo de errado, mas a sensação ruim continuava. Cheguei a me sentir culpada por ter ido com aquele vestido, que ficava uns quatro dedos acima do joelho. Sempre ouvia dizer que o melhor era usar calças para não "assanhar os meninos".

— Nico? — Sussurrei, como um pedido de socorro, aproveitando que meus padrinhos conversavam sobre outras coisas.

— O quê foi? — Ele me encarou por poucos segundos enquanto mastigava, então teve uma súbita desconfiança. Assim que se virou para Leo, com a pior expressão que eu já tinha visto, o garoto baixou a cabeça e se concentrou em comer.

Meus padrinhos estavam distraído e não notaram nada até Leo dar um grito.

— Que isso, menino? — Eles perguntaram juntos.

Nico havia lhe dado um belo chute na canela. O garoto estava roxo e uma lágrima saía pelo canto do olho.

— Ele tá sem coragem de falar, mãe. — Nico olhava fixamente para o irmão, de modo a acuá-lo.

— Falar o quê?

— Que ele tá morrendo de vontade de comer jiló com frango. Não quer essa comida. Falou que comeu na casa da tia Miranda naquele dia e ficou com vontade.

Descobri depois que Leo odiava jiló. 

— Ah, que bobeira. Eu trouxe da casa dela. Vou esquentar pr'ocê, Leozinho. — Minha madrinha se levantou e pegou o prato do filho. — Essa comida aqui eu dou pros cachorro.

— Precisa não, mãe!

— Claro que precisa. Quando quiser alguma coisa é só falar, fio, não tem que ter vergonha não.

— Eu queria batatinha frita, mãe. — Luquinhas pediu, esperançoso — A senhora faz pra mim?

— Ocê tem sua comida.

Logo notei que ali havia apenas um filho preferido. O tal "problema do coração" que Leo tinha, fazia com que os pais cumprissem todos os seus desejos.

O jantar foi muito divertido depois disso. Leo mastigava o jiló fazendo uma cara terrível enquanto Nico e eu o provocávamos, comendo nossos pastéis de angu frito com carne moída. Na hora da sobremesa, foi minha vez de aprontar.

— Doce de figo é bão demais, madrinha. — Sorri para ela, que nos servia o doce em algumas tacinhas — Só que a mãe falou que quem tem problema de coração que não pode comer, né?

Madrinha Sônia se desesperou e proibiu Leo de chegar perto do doce. O garoto passou o resto da noite calado.

— Eu ouvi falar que sua prima, a Isabel, tá namorando, Catarina. — Meu padrinho sorriu para mim, levando um enorme figo à boca.

— Tá, com um menino que veio do Rio de Janeiro. É gente boa.

Nico ergueu as sobrancelhas e parou de comer, olhando para mim como se dissesse "sério isso?".

— Ah, não tenho ouvido coisa boa desses dois. — Lamentou minha madrinha, falando com o marido — A Leda falou que a Isabelzinha anda saindo muito sozinha com esse menino. Falou que ela não é mais "moça". Se perdeu e tão nova.

Bem Me QuerWhere stories live. Discover now