Capítulo 9

Depuis le début
                                    

Durante os meses seguintes eles brigaram muito, o que me deixava muito assustada, mas meu pai sempre tentava amenizar a situação. Depois de cada discussão, ele me chamava e nós dois nos sentávamos à mesa da cozinha, colocávamos uma fita cassete no rádio e ligávamos o gravador.

— Alô, alô, aqui é a rádio dos bobo, a rádio dos idiota! — Meu pai começava a falar de um jeito muito engraçado, imitando um radialista — Hoje quero apresentar pr'ocês a Catarina, a menina mais peidorreira dessa cidade!

— Mentiroso! — Eu ria e chegava a boca perto do gravador — Ele é que é peidorreiro!

— Catarina, Catarina! Me diz: O que é, o que é, que cai de pé e corre deitado?

— É chuva, uai!

— Que chuva o quê, menina! É minhoca de paraquedas!

— Ah, eu sei uma, pai! O que o chão disse pra mesa?

— Sei não.

— "Fecha as perna que eu to vendo tudo".

Com o passar dos anos, juntei uma caixa inteira de fitas assim, com as gravações da nossa "rádio". Vez ou outra, voltava a ouvir as fitas ou simplesmente as pegava para etiquetar ou colar adesivos.

Na mesma caixa de sapatos eu guardava vários anéis de plástico coloridos que Nico havia me dado e alguns monóculos com fotos dos meus avós. Era preciso colocar bem perto do olho e mirar na direção da luz para ver o sorriso dos dois nas minúsculas fotos tiradas nos anos 70. Aquela caixa ficava guardada em cima do velho guarda-roupa com o nome "Tesouro da Catarina".

Quando minha mãe foi internada para fazer sua segunda cesária, eu fui mandada para passar alguns dias na casa de minha madrinha Sônia. Gostaria de dizer que me comportei bem durante esse tempo, mas a verdade é que só fiz reclamar dia e noite. Isso se dava, sobretudo, pelo fato de que Nico e os irmãos ficavam o dia todo na rua brincando e minha madrinha não me deixava ir junto.

— Ah, madrinha, cadiquê a senhora num deixa eu ir?

— Já falei, fia, menina que brinca com menino na rua só aprende trem que não presta. Cê vai me ajudar a limpar a casa.

— E os menino, madrinha? Num vai ajudar?

— Serviço de casa é pra moça! E é mió ocê aprender rápido pra arrumar um bom casamento.

Casamento! Comecei a ficar cansada de ouvir isso. Se fosse ver pelo que meus pais tinham, não era lá grande coisa a se desejar na vida.

Contudo, eu obedecia à minha madrinha, varria, tirava a poeira e lavava os pratos todos os dias. Enquanto isso, os três meninos da casa iam de um lado para outro com pipas e bolas nas mãos, dando gargalhadas e sujando o chão que eu limpava. Quando meus padrinhos não estavam por perto eu metia o rodo nas costas deles com vontade, depois me fingia de sonsa.

— Uai, mas esses menino grita atoa, madrinha. Num entendo não.

Nico era bagunceiro, tanto quanto os irmãos mais novos, porém, ao menos tentava intervir por mim:

— Ah mãe, deixa a Catarina ir lá fora jogar queimada um cadim só. 

— Não, senhor, ela é minha companheirinha. — Madrinha Sônia me abraçava pelos ombros — Se ocês quiser brincar junto, vai ser em casa.

Nico não quis no primeiro dia, mas no segundo já largou os garotos e ficou me seguindo para todos os lados. Até me ajudou a arrumar a casa quando minha madrinha saiu, só para que eu acabasse rápido e pudesse brincar com ele.

Não tínhamos quase brinquedo nenhum, mas isso não era problema. Na falta de opção, arranjávamos um galho, escondíamos no quintal e brincávamos de Chicotinho Queimado. Enquanto um procurava o galho, o outro gritava "Tá frio! Tá quente! Tá pelando!". Quem achasse podia bater no outro com o galho.

Bem Me QuerOù les histoires vivent. Découvrez maintenant