Capítulo XXX

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"Ela está despertando." Alma recobrava lentamente sua consciência quando ouviu uma voz masculina. Apalpou um cobertor felpudo debaixo de suas mãos. Recostou a cabeça no que lhe pareceu um travesseiro de flocos de espuma. Ela estava no hospital?

Suas pálpebras enfim se abriram, e ela se avistou rodeada por seu pai, sua irmã e Leon. Logo em um canto do quarto estava uma enfermeira remexendo em uma bandeja prateada carregada de utensílios médicos – era a mesma dos olhos sorridentes que havia dito a ela as últimas palavras antes de sua cirurgia ter início.

"Onde eu estou?" Alma perguntou, a voz ainda minguada.

"Está no hospital, minha querida." Benjamin não se demorou a contar, o rosto radiante por vê-la acordada.

"Digamos que consegui melhorar o cômodo para sua chegada, depois de muito argumentar com meu chefe." Amália desviou um olhar arregalado e encenado para a enfermeira, que deixou escapar uma risada aguda. Alma esticou a mão para a irmã, que se acomodava na extremidade da cama.

"Obrigada, Amália." Disse, em seguida sentindo um silêncio denso tomar o ar do ambiente, todos os olhos atentos fixados nela. Alma então decidiu quebrar o silêncio que rapidamente se tornava sufocante. "Me diga, como foi a cirurgia?"

Ela arregalou seus pequenos olhos verdes em sinal de curiosidade. Amália, por sua vez, desviou os seus de imediato, e então Leon se aproximou, tomando a frente da situação.

"Meu amor, as coisas não saíram como imaginávamos." Ele disse ao franzir o cenho. Alma nada respondeu, mas sua expressão gritava um como assim?. Amália soltou um suspiro audível antes de falar qualquer palavra que explicasse a situação.

"Alma, seu corpo estava recusando o marca-passo cerebral. Eunice persistiu por um tempo, juro que persistiu. Você sabe, eu presenciei tudo. Mas estava arriscado demais." Amália segurou mais uma vez a mão da irmã. "Tiveram que encerrar a cirurgia sem implantar o marca-passo cerebral."

Alma não soube identificar sua reação àquela notícia. Sua respiração cessou por um instante. Ela sentiu por um breve momento seus olhos lacrimejarem, mas rapidamente engoliu as lágrimas. Ela não ia mais pintar, agora era algo decretado. Mas ela estava viva. No fundo ela sabia que estava tudo bem. Ou ficaria.

E então Alma passou a estudar Leon. Estudou a pose emanando preocupação de seu corpo, o franzido em seu cenho, o receio em seus olhos ligeiramente esverdeados. A conexão que Alma tinha com seu pai e com Amália era sanguínea, irrompível, indissolúvel. Mas não com Leon.

"Pessoal, posso ficar a sós com Leon por um instante? Dez minutinhos, é tudo que peço." Ela completou seu pedido ao ver um semblante receoso surgir no rosto de Amália.

"Está bem." Sua irmã respondeu, segurando delicadamente o pai pelo braço enrugado. "Mas que seja rápido, Alma. Dominique precisa verificar como está seu curativo."

Em três segundos a porta de madeira do quarto foi fechada e Alma se encontrava sozinha com Leon. Ela deu dois tapinhas na beirada de sua cama, onde ele prontamente se sentou, mas com o cuidado de quem pisava em ovos. Alma soltou uma leve risada.

"Não estou quebrável, Leon. Pode se aproximar mais, vamos lá." Ela agarrou-se em seu braço forte, puxando-o para mais perto de si.

"E então, Alma, o que foi? Você está se sentindo bem?" Leon acariciava sua bochecha a todo instante, um sorriso acalentador nos lábios.

"Defina bem" Alma fez um sinal de aspas com os dedos de suas mãos, afundando sua cabeça no travesseiro sem perder por um instante sequer o contato visual que havia estabelecido com Leon.

"O que você quer dizer, Alma?" Leon se aproximou mais, sem tantas precauções desnecessárias dessa vez. Alma, por sua vez, não sabia qual seria a forma mais cautelosa de dizer tudo aquilo que tinha a dizer naquele momento. Pronunciou cada palavra com um cuidado extremado em sua voz.

"Leon, eu quero que você seja feliz, me entende? Verdadeiramente feliz."

"Eu já sou, Alma." Ele soltou uma risada abafada, como quem não compreendia ao certo o que ouvia – ou fingia não compreender. "Tenho um trabalho que me sustenta, estudo aquilo que sempre quis estudar, e mais: tenho você."

"Mas por quanto tempo eu poderei te fazer feliz? Já pensou a respeito?"

Leon arregalou os seus olhos miúdos, uma expressão indecifrável em seus traços.

"Como assim, Alma? Por favor, não me assuste!"

"Ah, Leon, você deve me entender. Você merece uma mulher saudável, cheia de vida. Não uma doente debilitada, como provavelmente serei pelo resto da minha vida."

"Você está certa, Alma. Eu não mereço você." Leon balançava sua cabeça vigorosamente. "Mas isso tudo é por conta de um motivo apenas: é por conta do quanto você é uma mulher incrível, Alma." Ele se aproximou ainda mais dela, prosseguindo em suas tentativas de convencimento. "Se tem uma coisa que me enche de certeza agora é que você sempre me fará feliz. Sempre."

"Mas e quando eu começar a perder minhas noites de sono por conta de algum distúrbio, Leon? E quando meus tremores aumentarem significativamente, e uma rigidez tomar conta de meu corpo?"

"Se isso tudo acontecer, ainda estarei bem ao seu lado, exatamente como eu estou aqui agora." Ao ouvir aquelas palavras sendo pronunciadas com tamanha assertividade, Alma deixou escapar um gemido inconformado.

"E se por acaso eu começar a sofrer de falta de equilíbrio, começar a cair constantemente? E se eu te fizer passar por momentos de vergonha por conta de uma incontinência urinária? Se daqui a alguns anos eu sofrer alguma modificação na minha postura ou se tiver pouca expressão facial?" Alma ofegava apenas em pensar no que o futuro poderia reservar para sua vida – e em como aquilo afetaria a de Leon. "Droga, Leon, você percebe como as coisas podem se complicar?"

A expressão de aflição no rosto de Leon beirava o palpável quando ele começou a despejar uma torrente de palavras quase impensadas.

"Alma, se tudo isso acontecer a você e mais um pouco, eu estarei lá. A cada passo, a cada eventual derrota e a cada vitória. Vou continuar te amando – não apesar de tudo, e sim por causa de tudo. Porque por maior que seja o sofrimento que isso possa nos trazer, será inevitavelmente uma parte de você, uma parte de nós. E Deus sabe que eu amo absolutamente tudo em você: as coisas fáceis e as difíceis; as perfeições, as imperfeições; as falhas. Você está me entendendo, Alma?"

Alma não conseguia desviar os olhos. Ela sentia um fluxo de sentimentos fortes dançarem por cada fibra de seu corpo. Ela por fim partiu os lábios, permitindo que aquelas três palavras muitas vezes evitadas por ela escapassem enfim.

"Eu te amo."

Logo um brilho passou a emanar dos olhos de Leon, um sorriso alargando-se em seus lábios. Pouco antes que ele pudesse responder qualquer coisa, a porta se abriu lentamente e Amália espiou o ambiente, a cabeça discretamente despontando por entre o estreitado espaço aberto.

"Sinto muito, queridos, mas Dominique está ansiosíssima por fazer seu trabalho e trocar esse curativo." Amália deu três tapinhas entusiasmados, escancarando a porta e dando passagem para Dominique, e as duas logo começaram a mexer em um bolo de gazes. Leon então se aproximou ainda mais de Alma, cochichando baixo perto de seu ouvido.

"Você está vendo todas essas pessoas? Todos eles estão aqui por você. Porque eles te amam. Talvez até mesmo Dominique." Os dois soltaram uma risada abafada. Ele então recostou mais uma vez a testa na dela. "Enquanto eles estiverem aqui vai estar tudo bem."

Sim, e ela sabia disso. Ficaria tudo bem.

O verde nos teus olhosWhere stories live. Discover now