Capítulo XVIII

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Alma alisava com cuidado a toalha sobre a mesa da cozinha de Benjamin enquanto seu velho pai abria a porta para receber Ananda. Um bolo de cenoura com cobertura de chocolate enfeitava o centro do móvel, e uma chaleira repleta de algum chá preparado por Benjamin repousava ao lado da forma.

"Olhem só se não é uma certa amiga minha que não me dá sequer um oi há sei lá quanto tempo!" Ananda esticou o máximo que pôde os dois braços magros, deixando uma sacola com o nome Padaria Massa Dourada gravado em vermelho pendurada em seu punho direito.

"Ananda, não estou acreditando que você fez compras nessa padaria – é cara demais, está maluca?" Alma caminhou em direção à amiga para estreitá-la entre seus braços. Como ela sentia a falta de Ananda!

"Ora essa, Alma! Não nos vemos há semanas, o mínimo que posso fazer é ofertar um banquete à minha amiga desaparecida." Ananda enfiou agilmente a mão na sacola, puxando de lá uma vasilha repleta de croissants de chocolate salpicados em confeitos coloridos, outra vasilha abarrotada de quindins açucarados e uma generosa torta doce. Ananda não existe, Alma pensou consigo ao gargalhar, organizando as compras da amiga em cima da larga mesa de madeira. Benjamin logo estava atrás das meninas, esfregando as mãos enrugadas uma na outra e lambendo os beiços.

"Ananda, minha querida, obrigado por esse verdadeiro banquete."

"Pai, pai!" Alma ergueu um dedo magro para Benjamin "De modo algum o senhor comerá destas coisas! No máximo um croissant e meio quindim."

"Lá vem você de novo, minha filha, sempre me regrando." Benjamin balançou a cabeça inconformado, o que causou uma gargalhada em Ananda.

"Seu Benjamin, sei que não sou a garota mais prudente que caminha por sobre a Terra, mas precisarei deixar meu escasso senso de responsabilidade falar mais alto neste momento: Alma está certa."

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Tudo estava absolutamente delicioso. O bolo preparado por Alma, o chá feito por Benjamin e cada uma das guloseimas compradas por Ananda. A tarde já estava baixa e uma brisa refrescante entrava pela porta aberta da cozinha. Markus corria do lado de fora, atrás das folhas secas que espalhavam-se pelo chão com o vento brando.

"Alma" Ananda disse ao mastigar um pedaço de torta confeitada "Você disse que precisava conversar com nós dois. O que foi? Pode desembuchar, amiga, você sabe que eu te apoio até em caso de gravidez indesejada." A jovem ergueu a mão direita ao colocar a esquerda sobre o peito, como se fizesse um juramento à amiga.

"Pai, Ananda... Há um tempo eu fui ao hospital onde Amália trabalha, para uma consulta de emergência..." Alma viu Ananda mostrando os dentes ao ouvir o nome de Amália, o que a fez dar uma risada desconcertada. "Bem, descobri que sofro um princípio de Mal de Parkinson precoce."

Alma despejou cada palavra como uma metralhadora. Ela sabia que aquilo seria como tirar um band-aid: quanto mais tempo demorasse, mais o processo seria doloroso. E as expressões nos rostos de seu pai e de sua amiga, somadas ao silêncio que se seguiu ao seu despejo de palavras, isso doeu muito mais que qualquer band-aid.

"Pessoal, por favor, não me olhem assim... Vejam, estou lidando até bem com tudo isso, tomando meus remédios assiduamente... enfim, tenho até pensando em conversar com um fisioterapeuta. Mas sei que qualquer reação assustada de seja lá quem for, mais ainda vindo das duas pessoas que mais importam para mim em todo o mundo, isso sim me puxará para baixo, como um peso de toneladas. Me ajudem a evitar esse peso, é tudo que peço, sim?"

Seu Benjamin nada disse. Suas sobrancelhas grisalhas se enrugaram, mas nenhuma palavra saiu de sua boca. Deus, como isso devia doer nele! Ananda também nada disse, mas ao menos balançou a cabeça afirmativamente e de forma bastante enfática.

O verde nos teus olhosWhere stories live. Discover now