Capítulo XXIX

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Você precisará de um marca-passo cerebral. Essas palavras ressoavam nos pensamentos de Alma a cada hora, sempre como um tormento soletrado. E ela as havia ouvido da boca de sua irmã, e da boca de Eunice Vargas também, a outra neurocirurgiã especialista do Hospital São José Moscati. Agora ela se encontrava mais uma vez no Residencial Coucher de Soleil, cercada por seu pai, por Amália e Leon, em uma conversa que para Alma parecia mais um extenso beco sem qualquer saída à vista.

"Entenda, Alma. Essa é a sua melhor chance. Você quer voltar a pintar seus quadros, não quer? Quer sentir mais uma vez tudo aquilo que sentiu durante a exposição da qual participou na Galeria Arte Nativo, não é mesmo?"

Amália se sentara na cadeira acolchoada em frente ao extenso sofá, onde Alma se encontrava encolhida entre Benjamin e Leon. Repousou na mesa de centro uma caneca de chocolate quente antes de prosseguir em seu processo de convencimento.

"Alma, a Eunice liderará a equipe de cirurgia, e eu assistirei a todo o procedimento. Estamos falando de profissionais extremamente bem treinados, e a cirurgia não apresentará risco algum à sua vida, então me diga mais uma vez, por favor, por que está sentindo esse medo todo?"

As pernas magras de Alma pendiam do sofá, balançando incontrolavelmente enquanto ela evitava qualquer contato visual com a irmã.

"Amália, a única cirurgia à qual fui submetida em toda a minha vida foi aos quinze, para extrair um de meus sisos. Então sim, eu tenho medo de ser submetida a um procedimento que envolverá pessoas remexendo meu cérebro enquanto eu me encontro desmaiada em uma maca de hospital."

Benjamin, então, que tomava seu chá quente enquanto desempenhava o papel de ouvinte com perfeição, decidiu opinar a respeito, olhando a filha nos olhos.

"Minha filha, eu te entendo. Por mim, essa cirurgia jamais seria algo necessário. Eu trocaria de lugar com você em um piscar de olhos, sem precisar ponderar por nem um minuto. Mas sabe de uma coisa? Estou tranquilo, porque confio em sua irmã, e confio no que ela diz aqui, agora. Confie nela também."

Não era que Alma não confiasse nos conhecimentos cirúrgicos e nas palavras de Amália. Isso jamais seria um empecilho, mesmo que a notícia a respeito da cirurgia houvesse emergido em sua vida meses atrás. O medo era das probabilidades. As probabilidades sempre envolvidas em procedimentos como aquele.

"Gente, não preciso me sentir mais pressionada, por favor." Ela afundou o rosto nas mãos e o corpo no sofá, controlando sua respiração. Ela estava quase cedendo. E tinha medo de ceder.

Leon, que estava até então apenas ouvindo toda a discussão, suspirou profundo, envolvendo-a em seus braços e aproximando-a de seu corpo.

"Meu amor, você precisa se tranquilizar. E pense só: não terá quase custo algum. Poucos têm esse privilégio, não é? E quando for necessário mudar o aparelho, a Eunice vai trocar. Você está nas melhores mãos, Alma." Ele enrolava mechas do cabelo dela carinhosamente.

"Senhor, tinha me esquecido das trocas." Ela passeou com os dedos pela testa enrugada. Leon gemeu baixo e segurou ambas as mãos de Alma, recostando sua testa na dela. E então ele cochichou, olhando-a solidamente nos olhos.

"O que Ananda te diria agora, meu amor?"

Ela sabia precisamente o que Ananda diria: Amiga, você precisa aceitar isso. E então vai poder viver tudo a que você tem direito. Não fique assim, tão borocoxô. Sorria!. Ela quase podia ouvir a voz de Ananda ressoando em seus pensamentos.

"Está bem." Ela murmurou vencida, o olhar caído. Esperava que aquilo tudo funcionasse.

Para Alma haveria duas possibilidades: a primeira era ela chegar apavorada ao hospital, com a certeza da morte iminente; a segunda era ela chegar por completo resignada quanto à ideia de que ela estava a salvo e nada lhe aconteceria. Mas ela havia chegado em um meio termo.

O verde nos teus olhosWhere stories live. Discover now