Capítulo IX

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Alma deslizara por seu corpo a quarta ou quinta peça de roupa, falhando novamente em sua procura. O relógio já marcava as 17, e em duas horas Álvaro a buscaria em seu apartamento. Estava frustrada, pois sempre havia sido precisa em escolher o que vestiria, independentemente de qualquer coisa. Não sabia o que poderia ser diferente naquela ocasião.

Afundou-se em seu sofá, prostrando-se em derrota, quando ouviu um bater eufórico à sua porta. Era Ananda, como sempre salvando sua vida aos 45 do segundo tempo. Ela carregava uma sacola de papelão, com o nome de alguma marca de roupas estampado sobre um tom amarelado.

"Vamos, vamos logo. Trouxe um chuchuzinho de vestido para você. Tire essa lástima a que você chama de 'roupa' e vamos ver como fica o caimento desta maravilha em seu corpinho."

Alma riu baixinho. Gostava dessa eterna prontidão que sempre fora a característica mais forte de sua amiga. Despiu-se, dando um salto assustada em seguida. Tratava-se de um tubinho vinho, trabalhado em veludo, as alças tão finas quanto as linhas mais finas. Passou os dedos magros em sua testa, em sinal da mais plena reprovação.

"Por favor, Ananda, por que em sã consciência eu usaria isso?"

"Você quer dizer: por que em sã consciência você usaria isso, não?" Ananda indicou toda a roupa que Alma havia acabado de retirar. Logo ela começou a puxar a amiga pela mão em direção ao quarto, onde se encontrava o espelho. "Minha querida, você não vai ao Bar do Seu Zé, logo ali, na esquina. Você vai ao Mangiare, restaurante italiano mais elegante de toda a cidade, jantar com Álvaro Garcia, um dos melhores advogados que temos por aqui. Você precisa apresentar-se divina, Alma. Divina!" Ela passou o vestido para a frente do corpo retraído da amiga, repousando-o ali.

Alma olhou seu reflexo no espelho. Riu consigo mesma. De fato, aquilo parecia valorizá-la, ela precisava confessar a si própria. Com o auxílio de Ananda ela se arrumou para o jantar. Permitiu que a amiga passasse um batom vermelho em seus lábios, e também que soltasse seus cabelos. E ela gostava de si daquele jeito.

Ao tentar passar um rímel em seus cílios, um tremor percorreu seus dedos. Alma, acreditando que Ananda não havia reparado, fechou com dificuldade o pequeno frasco, explicando-se em um tom despreocupado.

"Ah, isso é inútil. Quero dizer, acredito que seja demais para mim. Chega de aventuras por um dia, não é?" disse ela ao ocultar ambas as mãos atrás de seu corpo. O semblante de Ananda, sempre tão faceiro e astuto, tornou-se logo sóbrio. Ela esticou a mão, a palma voltada para cima. Ao receber silenciosamente o frasco de rímel de Alma, ela logo começou a aplicá-lo na amiga.

"Espero que esteja tudo bem, Alma. Espero de verdade. E espero que fique tudo bem."

Álvaro não tardou em buscá-la. Havia insistido que ela o aguardasse em sua casa, e que não se dirigisse ao restaurante por conta própria. E como ele estava encantador, Alma pensou ao vê-lo saindo de seu carro, o cabelo diligentemente penteado para trás. Vestia um terno cinza alinhado, as mãos guardadas em seus bolsos. Ele sorriu largo para Alma ao vê-la.

"Se eu já era um homem completamente encantado por você antes de vê-la assim, imagine agora que sei como fica em um vestido de veludo de cor vinho. Apenas imagine." Ele sussurrou ao se aproximar para dar um beijo em sua bochecha.

O restaurante de fato transmitia uma atmosfera bastante elegante. Um homem trajado de preto veio direcioná-los à mesa que Álvaro havia reservado para os dois. Um piano ao fundo tocava um jazz suave. Logo se sentaram Álvaro tratou de iniciar uma conversa, claramente buscando trazer a ela uma maior sensação de conforto.

"O que você pretende pintar para Manoel Ferraz? Já tem alguma ideia em mente?" Ele encerrou o silêncio denso que pairava pelo ar enquanto levava um suculento pedaço de Tortellini de Bolonha à boca.

"Tenho sempre mil ideias povoando minha mente - e às vezes nenhuma. Preciso conversar com ele; saber o que ele quer."

Álvaro deu um sorriso largo e simpático para Alma, levando a taça cheia de vinho de Bordeaux em direção à boca.

"Apostaria o que fosse que ele apreciará qualquer ideia que essa mente linda e imaginativa tiver." Piscou ao terminar de falar.

Alma sorriu ao levantar a alça vermelha de seu vestido, a qual havia deslizado por seu braço fino. Ela devia confessar a si mesma, aquele homem transbordava um charme único. E ela se rendia a todo esse fascínio, o qual transbordava a cada palavra por ele proferida. Seu Involtini de Berinjela estava delicioso, ela pensou consigo enquanto sentia em sua boca a explosão de sabores do manjericão e da pimenta calabresa.

O jantar fora prazeroso, muito mais do que Alma poderia esperar ou imaginar. Álvaro pediu para deixá-la em casa, mas ela resistiu. Já havia aberto muitas exceções para aquele homem. Poderia abrir todas, mas não queria que ele tivesse uma imagem sua volúvel e inconstante.

Álvaro acenou com a mão para um táxi parar no acostamento. Inclinou-se em direção a Alma. Aproximou-se demais, seu hálito cheirava a hortelã. Como ela queria beijá-lo naquele momento!

"Álvaro, não posso. Dê a mim mais algum tempo, por favor. Só um tempo, é tudo que eu peço." Ela balbuciou ao segurá-lo onde ele se encontrava com a mão miúda, os olhos se direcionando rapidamente ao chão. Álvaro a olhou como quem não compreendia suas palavras.

"Pensei por um momento que estivesse começando a haver uma reciprocidade de sua parte. Estava enganado?" Ele passeava com o mindinho pela bochecha corada de Alma, tentando incessantemente encontrar seus olhos, ao que ela prosseguia evitando.

"Não, não é isso..." Ela balbuciou em um sussurro.

"Então por que não me dá um beijo? Você precisa parar de resistir aos seus desejos, Alma. Você me parece alguém que tenta e tenta alcançar um fim almejado, mas acaba sempre se refreando. Nunca pensou que pode se arrepender disso um dia? O que quer que você deseje faz parte de você, e se você o renega você renega a si mesma. Vamos quebrar essa sua resistência? Por favor... Só um beijo, é tudo que eu peço." Ele mimicou suas palavras em um tom mais doce, quase em um sussurro grave, em um tom de sedução.

Ela então por fim mirou em seus olhos, apenas para encontrar um olhar de quem implora e suplica em um silêncio enérgico, eficiente. Ela soltou uma risada. Lá estava ela, cedendo mais uma vez aos charmes de Álvaro. Talvez sempre fosse assim entre os dois: um constante renunciar de sua parte. Talvez.

Alma se entregou a um beijo, apenas um, as mãos retraídas passeando pelas costas de Álvaro, os olhos fortemente cerrados, como se quisesse evitar ver no que daria aquele momento. Mas para ela bastaria sentir.


O verde nos teus olhosWhere stories live. Discover now