Capítulo XXVII

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A casa ainda era a mesma. Não havia mudado em nada. A mesma porta pivotante em madeira nogueira, os mesmos sofás reclináveis em um azul celeste, a mesma estante feita em madeira maciça, e ali uma foto.

Como Alma se lembrava daquele dia! Ela e Ananda haviam decidido partir em uma viajem curta. Três dias apenas. Elas tiraram aquela fotografia no dia de retornarem às suas casas, logo após tomarem um café da manhã na Cafeteria Sabor Moído. E Ananda estava linda – os cachos amarrados no topo da cabeça por um elástico revestido em purpurina; o corpo vestido em um macacão jeans despojado, uma blusa listrada em vermelho e branco por baixo; um par de óculos escuros daqueles bem joviais, bem do tipo que a agradava. Ela estava linda. E feliz.

"Sentem-se, por favor. Não reparem a bagunça. Os últimos dias têm sido difíceis." Isadora tinha a voz falha ao fechar a porta enorme da entrada. "O que querem? Chá? Água? Posso também preparar um café, ou um suco de laranja gelado."

Por que ela sempre precisava ser tão solícita?

"Uma água está ótimo, D. Isadora. Não queremos desgastá-la, muito menos neste momento. Sente-se conosco, descanse um pouco." Alma segurava com amabilidade o braço visivelmente fraco da mãe de Ananda. Isadora cochichou um obrigada à amiga da filha antes de se dirigir à cozinha.

Alma se sentou ao lado de Leon, cerrando os olhos com todas as forças que conseguia reunir naquele momento. Não era fácil para ela, estar ali, na casa de Ananda. Quantos fantasmas não se encontravam refletidos naquelas paredes brancas! Conrado havia decidido não entrar. Preferiu permanecer do lado de fora, um cigarro entre os lábios, os olhos observando o horizonte tornar-se mais e mais laranja a cada tiquetaquear do relógio em seu pulso.

Logo Isadora voltou, carregando uma bandeja com dois copos de vidro e uma jarra contendo água e pedras de gelo. Posicionou a bandeja na mesa de centro e sentou-se em seguida, as mãos magras passeando pelos joelhos esguios.

"Sabem, ontem eu estava arrumando o quarto de Ananda. Ela o deixou uma bagunça, Deus sabe quantas vezes brigamos por conta do caos ao qual permitia que suas coisas chegassem. E ela sempre me dizia: não mexa, mamãe. Minha bagunça pode não fazer qualquer sentido para a senhora, mas faz para mim. Eu é que vou me perder se a senhora mexer nas minhas coisas. Deixe minha desorganização assim, uma desorganização organizada." Isadora imitou as palavras da filha ao soltar uma risada desolada.

Alma não disse nada. Sorveu um prolongado gole de água, as mãos ainda fracas, a mente entorpecida. A noite não tardaria a chegar, ela pensou ao espiar por entre as frestas das janelas cerradas. Ela estava cansada, com fome e suja. Precisava chegar em casa, tomar um banho quente, fechar a persiana de seu quarto e se deitar em sua cama por uns vinte minutos. Quanto a um lanche, ela sabia que tinha bastante fome, mas lhe faltava qualquer força de vontade.

"Alma, minha querida, vou arranjar as coisas que pretendo entregar a você. Guardei-as na caixa organizadora favorita de minha Ananda." Isadora se permitiu mais um sorriso breve. "Enquanto isso, pode subir as escadas, se desejar. O quarto dela está o mesmo." Isadora se ergueu para apanhar uma caixa com uma tampa rosa clara, sentando-se mais uma vez na poltrona logo ao lado do sofá.

Alma direcionou o olhar a Leon, em um pedido silencioso para se distanciar dali por um instante. Ele comprimiu os lábios no que remetia a um sorriso, acenando afirmativamente sua resposta.

"Vá lá, meu amor. Farei companhia à D. Isadora. Precisando basta gritar meu nome." Ele cochichou ao guardar uma madeixa do cabelo de Alma atrás da orelha.

Alma se esgueirou pelos degraus da escada, não encontrando qualquer dificuldade para achar o quarto da amiga. E tudo estava exatamente como ela se lembrava.

O verde nos teus olhosWhere stories live. Discover now