Capítulo XIII

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Alma abriu a porta de seu banheiro. Viu a banheira de acrílico branco transbordando uma água manchada por um rastro de tinta. Droga, tudo de que ela mais precisava naquele momento era de um banho quente e demorado. Tudo bem, pensou consigo mesma. Usaria o chuveiro. Logo já havia vestido um pijama confortável. Jogou seu corpo desajeitadamente em seu sofá. Já passava das onze da noite e os pingos de tinta ainda não haviam sido limpos. Ainda marcavam o assoalho de madeira. Ela balançou a cabeça, afastando o pensamento acerca de tudo que tinha acontecido mais cedo. Não queria se sentir mal mais uma vez.
Olhou para a tela de seu celular. A última mensagem sua havia sido trocada com Álvaro. Ah, como ela queria vê-lo naquele instante! Sentir seu cheiro e ser mais uma vez espectadora daquele sorriso faceiro que só ele tinha. Decidiu enviar uma mensagem a ele. Será que você pode me visitar em meu apartamento, para que nós possamos conversar?, ela perguntou em suas palavras digitadas. Ao receber uma mensagem prontamente afirmativa, Alma correu em direção ao seu banheiro. Lavou novamente seu rosto, dessa vez com uma corrente de água fria – precisava despertar os sentidos; olhou seu reflexo no espelho. Deus, como estava pálida! Aquele decerto não havia sido um dia fácil...
Logo a campainha tocou em sua sala. Lá estava Álvaro, com os cabelos molhados, vestindo uma camisa xadrez em tons sóbrios, as mãos dentro dos bolsos de sua calça jeans de lavagem escura e o mesmo sorriso galante de sempre iluminando seu rosto. Ela nunca o havia visto despojado daquele jeito.
"Como está a mulher mais deslumbrante que conheço?" Disse, apoiando charmosamente o braço no portal.
Alma não se deu ao trabalho de responder à pergunta feita por ele. Não se deu ao trabalho de dizer uma palavra sequer. Enroscou os braços em volta do pescoço de Álvaro e logo grudou seus lábios nos dele, tão macios, como se ela fosse uma mulher que naufragava em um mar revolto, e ele o porto seguro mais próximo. Caçou os botões de sua camisa cegamente, sem desconectar seus lábios dos dele por um segundo sequer e sem abrir seus olhos, cerrados com toda sua força. Álvaro se afastou, dando uma risada ofegante.
"Ei, calma aí, um segundinho só, moça. Acho recomendável que fechemos a porta de seu apartamento, não concorda? Ou pretende deixá-la aberta?"
Alma riu, cobrindo o rosto com suas mãos. Sentiu vergonha por estar, como sempre disse sua mãe, indo com muita sede ao pote. Álvaro fechou rapidamente a porta do apartamento, enquanto ela gaguejava ao tentar explicar sua atitude repentina.
"Me perdoe, Álvaro, não sei o que deu em mim. Nossa, que atitude, essa minha. Não se preocupe, não a repetirei... A menos que queira, é claro..."
Ele riu baixo, passando uma de suas mãos em seu queixo afilado e fitando o chão por um instante. Depois puxou Alma pela cintura para perto de seu corpo, conectando-os um ao outro e por fim fitando-a nos olhos. Pegou suas mãos e as colocou de volta onde se encontravam os botões de sua camisa, os quais ela tentara desabotoar há poucos instantes.
"Conte para mim, Alma, onde fica seu quarto?"

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Alma despertou em sua cama. Olhou para o relógio em cima de sua escrivaninha. Já passava das duas da manhã. Voltou seus olhos para o lado. Álvaro estava lá, dormindo, o braço nu e quente enroscado em volta de seu corpo magro. Alma não queria se levantar dali. Nunca mais, se possível. Queria ficar ali para sempre, ao lado dele, sentindo o calor de seu corpo. Mas no momento era inevitável levantar-se. Ela estava com sede.
Caminhou até sua cozinha após vestir um par de meias. Bebeu um copo de água fresca. Preparou duas xícaras de café. Observou absorta o preparo com o pó ser coado. Assim que serviu a bebida quente, Alma ouviu Álvaro se aproximar.
"Já ia levar essa xícara de café para você." Ela sorriu quando ele a abraçou e deu mil beijos breves em sua testa.
Ambos sentaram-se em um dos sofás, cada qual com sua xícara em mãos, as pernas emaranhadas umas nas outras. Um vento gelado entrava pela janela aberta enquanto Hipólito se enrolava no colo de Alma, os pelos lisos e escuros se eriçando.
Tão logo os dedos de Alma tremeram ela tratou de rapidamente repousar a xícara marcada por desenhos japoneses em cima do pires. Álvaro a fitou, o semblante repentinamente pensativo.
A expressão da mulher à sua frente se modificou de imediato.
"Alma..." ele sussurrou ao repousar a mão na perna que se encostava na dele. "Está tudo bem? Em sua mensagem você disse que queria conversar comigo. O que foi?"
Ela sorriu, segurando a mão que a acariciava.
"Desde o momento em que você entrou aqui foi como se não houvesse acontecido nada. Eu não pensei em nada, eu..." ela suspirou antes de continuar "Estive no hospital hoje cedo, Álvaro. Estive mal, e... Bem, descobri que tenho uma doença."
Álvaro a olhava a todo o tempo. Não dizia absolutamente nada. Apenas ouvia, a mão ainda a acarinhando.
"Tenho Mal de Parkinson precoce, Álvaro."
Ele franziu as sobrancelhas em um rompante e arrastou seu corpo ainda mais em direção ao dela.
"Meu Deus, Alma... O que eu posso fazer por você, por favor, me diga?"
"Nada além do que você já está fazendo, Álvaro. Estar ao meu lado, me reconfortar. Acho que você não está entendendo a importância disso." Ela se aproximou mais, puxando-o pela gola da camisa e o beijando. Ele não falou mais nada a respeito da doença.
E ela agradeceu por isso.

O verde nos teus olhosWhere stories live. Discover now