Capítulo IV

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A tinta azul havia acabado. Alma já se encontrava nos toques finais e eles eram em azul. Droga, mas que azar, pensou consigo mesma. E o pior: era domingo e já passava do meio dia, e ela sabia que seria difícil encontrar qualquer papelaria aberta àquele horário. Deixou a cabeça tombar em sinal de plena derrota. Ela teria que esperar um dia inteiro para prosseguir com seu trabalho, mesmo que naquele exato instante sua inspiração estivesse borbulhando incontrolável em suas veias. Precisaria fazer um bom esforço para se livrar dela por um momento. E nada a deixava mais triste que ter que se livrar de uma boa inspiração.

Mas então o que lhe restava para fazer? Enviou uma mensagem para Ananda, sua única amiga devido a um par de causalidades, apenas para receber como resposta um breve 'não posso, estou em um churrasco mara!'. Tinha então como uma alternativa - e melhor, confessou a si mesma - sair sozinha.

Abriu seu guarda roupas. Pegaria qualquer peça, não se importava em nada com aquilo. Seus olhos então avistaram no fundo do móvel de madeira uma blusinha amarela em um tom limão-siciliano. Ela sequer conhecia aquela peça de roupa. Havia a comprado? Não, ela jamais compraria uma blusa como aquela. Devia tê-la ganhado, provavelmente de Amália ou, melhor ainda, devia tê-la ganhado de Ananda.

Talvez ela devesse vesti-la aquele dia. Nada estava sendo como desejava, e ela estava a mundos de distância de ser uma mulher supersticiosa mas, talvez por um estranho acaso, vestir um tom daqueles poderia melhorar seu dia. Não custava tentar, ela pensou. Com certa dificuldade capturou a roupa entre seus dedos franzinos, pressionando-os com força antes de colocá-la contra o corpo.

O dia estava tépido, os raios de sol rapidamente aquecendo seus braços desnudos. Ela se aprazia com a acentuada calidez das ruas quando leu Papelaria Empório do Papel em um letreiro grande e chamativo. Um sorriso se expandiu em seu rosto. Poderia aquela repentina vontade de caminhar pelas ruas ter sido mais que uma mera vontade? Senhor, quando ela havia se tornado tão excessivamente supersticiosa? Riu consigo mesma, ralhando de si.

O interior do estabelecimento era escuro, e Alma podia ver muitas e largas prateleiras espalhadas por todos os lados, expondo produtos de todos os tipos. No alto-falante tocava uma música desconhecida. Ela rapidamente se pôs a procurar pelas tintas quando ele se aproximou dela.

Era alto e caminhava com a firmeza característica dos vendedores. Vestia uma camisa xadrez desapertada, e nela tinha pregado um bottom com o nome da loja estampado. Tinha no rosto um sorriso mais largo que as próprias estantes que o cercavam, uma caneta destampada despreocupadamente encaixada atrás de sua orelha, evidenciando os desalinhados fios de cabelo de um tom de melaço.

"Posso ajudá-la?" Ele perguntou num tom de voz grave.

"Poderia me mostrar onde ficam as tintas a óleo?"

Ao ouvir aquelas tímidas palavras o sorriso do vendedor subitamente alargou-se ainda mais, mesmo que Alma considerasse aquilo algo impossível.

"Sabia que era pintora."

"Como?"

Ele passeou a palma da mão em sua nuca, como quem se arrependesse de suas palavras.

"Desculpe-me, mas acho que a senhorita tem jeito de pintora. Não sei, algo no seu jeito de ser ou de se mover."

"E o que seria esse "algo", precisamente?" Perguntou Alma, sentindo-se ocultamente radiante por ouvir que se tratava visivelmente de uma pintora.

"É algo que se sobressai em seu rosto, não sei explicar. É como uma energia artística." Ele riu desajeitadamente, repousando as mãos marcadas de evidentes esforços em seus quadris.

Alma respondeu com nada além de um sorriso. Ele a fitou por alguns breves segundos, como quem esperava que algo fosse dito. Depois ergueu um indicador para o ar, como quem dissesse um sonoro eureka!.

"Ah, tintas a óleo!"

Alma comprou um par de pequenos potes. Foi levada até a porta de saída pelo mesmo vendedor que a atendera alguns minutos antes. Ele então esticou-lhe a mão morena amistosamente, abrindo novamente um sorriso tão quente quanto o dia que brilhava lá fora.

"Eu me chamo Leon, senhorita. Se um dia decidir voltar à nossa loja, procure por mim."

Ao sentar-se em sua almofada, Hipólito roçando o focinho nas meias que cobriam seus pés, Alma não pôde mais encontrar sua inspiração. Não que tivesse a perdido, mas sua mente se encontrava como líquido: inconsistente, pulando de tempos em tempos em diversos lugares, em incontáveis pensamentos frívolos.

Naquela tarde Alma pintou apenas três ligeiras linhas.

O verde nos teus olhosHikayelerin yaşadığı yer. Şimdi keşfedin