Mafalda
Revirava-me várias vezes no sofá. Amanhecera há uma hora. Os meus avós encontravam-se no jardim exterior da casa com os cães.
Estava uma manhã mais agradável. Pequenos raios de sol a espreitar entre as nuvens brancas que cobriam grande parte do céu. As tentativas falhadas de voltar a dormir foram esgotadas, os meus avós e os cães chamavam por mim. Após ganhar coragem, juntei-me a eles.
Perguntei pelo meu pai, este tinha saído para ir comprar o almoço e algumas coisas que faziam falta aos meus avós. Sentei-me no baloiço-sofá perto da minha avó.
- Conseguiste dormir alguma coisa, querida?
- Nem por isso. Acho que ninguém conseguiu, a tempestade e aquela confusão...
Comentei, reparando que os vizinhos estavam quase todos a limpar os jardins ou a passear os animais, tal como nós.
O pastor alemão de um ano caminhou na minha direção com a sua bola. Desafiava-me, o que me fez levantar do sofá. Peguei na sua bola e atirei para que fosse buscar.
Buck, o salsicha de sete anos, tentou chegar à bola mais rápido, apesar de ter recuado com os passos brutos de Rex.
Mary, a princesa da minha avó, uma rafeira de três anos, apenas mordiscava os sapatos do seu dono, que simplesmente não se importava. Rex trouxe novamente a bola, esta que voltou a ser atirada para longe.
Longe o suficiente para o cão quase atropelar o rapaz da casa ao lado.
O seu olhar procurou a autora da bola quase a embater contra ele. Ficou um pouco estranho a olhar para mim. Aproximei-me dele, reparando no hematoma perto do seu olho.
- Desculpa, não reparei que estavas aqui.
- Não faz mal. Mafalda, não é? - Assenti, vendo a bola a voar para perto de casa e Rex a correr, para a apanhar.
Após vê -lo a enterrar o focinho na neve, soltei uma breve risada ao ouvir um espirro.
- Não te cheguei a agradecer.
Olhei novamente para o moreno. Os seus olhos refletiam-me. A sua expressão... Sem expressão alguma, se isso fosse possível.
- A agradecer?
- Sim, por ontem. Obrigado pela preocupação e desculpa pelo que tiveste de assistir.
- Como está a tua mãe? E a tua família? Ontem ficaram muito abalados com o que aconteceu. - O rapaz assentiu.
- Estão mais calmos.
- E tu?
- Aqui estou. - Encolheu os ombros. - À espera que aquele filho da mãe apareça. Vou ter que o aturar mais três dias.
- Mais cedo ou mais tarde, ele vai voltar. E não podes reagir como ontem.
- Reajo como tiver que reagir.
Bruto e rude, virou-me costas e entrou no carro preto ao nosso lado. Fiquei um pouco magoada com a sua reação e arrogância, quando só tinha boas intenções. Ele não podia começar a gritar e aos murros quando ele voltasse.
Começar mais uma briga. Se a sua mãe pretendia continuar com aquele homem, tinha que haver algum consenso.
Embora nenhum deles tivesse cabeça para pensar. Ruben ainda tinha desculpa, um rapaz de vinte e um anos. Já o padrasto, era homem de quarentas e muitos, irresponsável.