Capítulo 22

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Depois de dormir praticamente o dia todo, acabei ficando sem sono. Passei as horas iniciais daquela noite trabalhando, sem alcançar qualquer progresso, no livro que o meu pai havia mandado me entregar. Era um meio de me distrair e fazer algo útil ao mesmo tempo.

- Porque diabos você não se revela, desgraça!? - Eu disse ao livro.

- Você sabe que isso não vai funcionar.

- Pai? - Eu disse ao reconhecer o tom grave que ele usava quando achava algo divertido.

- Filho. - Ele respondeu e me virando para encará-lo, o vi sorrindo.

Meu pai tinha um sorriso terno e calmo. Era notório que o tempo não havia o poupado. Ele já tinha os cabelos muito brancos e uma boa quantidade de rugas. Ele era mais alto que eu e parecia um pouco magro demais. Estava usando seu terno favorito, que parecia tornar ainda mais denso o castanho escuro dos seus olhos. Contudo aquele não era o meu pai, era apenas uma espécie de fantasma. O que eu estava vendo era uma "impressão"... Um ser feito com magia, para durar algumas horas, que guardava as memórias e a personalidade de alguém.

- Você morreu, não foi? - Eu disse sem vida, agora encarando o chão.

- Eu sinto muito. - Ele me respondeu.

- Porque você tinha que morrer? - Eu gritei furioso - Justo agora que está tudo dando errado! Justo agora que... Que...

- Théo... - Ele disse se aproximando - Me escute por um minuto...

- Acho que um minuto é tudo o que nos resta, não é!? - Eu respondi voltando a olhar para ele.

- Eu sei que é difícil entender isso quando se é jovem - Ele começou - Mas tudo na vida tem seu tempo... E chegou o meu tempo de morrer. Não é porque eu posso prolongar minha vida, que eu quero ou devo fazer isso.

- O que vai ser de mim agora, papai? - Eu disse finalmente me rendendo ao choro.

- Você vai ficar bem. - Ele sorriu - Você é o herdeiro Salvattori. E mais que isso, você é tudo que eu sempre sonhei que você fosse.

- Eu preciso de você! - Eu chorei em desespero - Eu preciso de mais tempo! Eu fiquei longe por tanto tempo...

- Eu sei. - Ele respondeu - E eu também queria ter tido mais tempo, mas não somos donos do tempo, não somos donos nem de nós mesmos. Eu sei que você se manteve longe, mas também sei que o nosso amor estava muito além da distancia.

- Eu te amo, papai. - Eu disse me abraçando aquela "impressão".

- Seja forte e corajoso. - Ele disse me envolvendo em seus braços - Tudo vai ficar bem, e no devido tempo todas as respostas vão aparecer. Eu vou sempre estar aqui, Théo... - Ele disse colocando a mão sobre meu coração. - Você me superou e assim que aprender que seus sentimentos te tornam melhor, vai ir muito além do que eu fui. E, Théo... Eu vou sempre te amar.

- Eu também vou sempre te amar, papai! - Eu disse enquanto aquela ilusão começava a se desfazer.

- Lembre-se da promessa que você me fez. - Ele disse com um último sorriso - Não morra! - E então a ilusão se desfez e meu pai se foi.

- Theo? - Eu ouvi Klaus chamar do outro lado da porta.

Continuei chorando em silêncio. Em parte por não querer ser visto naquele estado, em parte por não querer dizer o que havia acontecido. Falar tornava real a morte do meu pai.

- Theo? - Klaus chamou uma segunda vez.

Eu mantive o silêncio, contudo era inegável que eu estava dentro do quarto. Klaus sabia disso e por isso destrancou e abriu a porta, sem meu consentimento.

- Eu também preferiria não falar com voc... - Ele ia dizer - O que aconteceu?

Eu não conseguia responder. As palavras haviam fugido do mundo, correndo em direção a minha garganta, onde criaram uma barreira que impedia qualquer som.

- Theo! - Ele gritou fechando a porta atrás de si. - Fala comigo.

- Meu pai... - Eu disse por fim, sem conseguir conter o choro.

- O que tem ele? - Klaus me perguntou com um olhar de pavor.

- Ele morreu. - Eu terminei a frase.

- Theo, seu pai é poderoso, ele não morreu. - Klaus disse aliviado - O que te faz acreditar nisso?

- Ele me mandou uma impressão. - Eu expliquei - Ele queria se despedir.

- Então ele está... - Klaus parecia tão abismado quanto eu.

- Morto. - Eu completei a frase.

- Theo... - Ele começou a dizer, correndo em minha direção para me abraçar. Eu perdi qualquer sinal de força dentro de mim e ambos fomos jogados no chão. Ele manteve seus braços ao meu redor, em completo silêncio.

Eu não sei por quanto tempo eu chorei naquele quarto. Passaram-se horas, que pareceram meses e Klaus ficou ao meu lado o tempo todo. Quando consegui parar de soluçar, ele me levou ao banheiro e me deu banho, me deitou na cama e se deitou ao meu lado, me envolvendo em seus braços, deixando que eu me aninhasse no calor.

- O que você quer fazer? - Ele perguntou e provavelmente era madrugada.

- Sobre? - Eu perguntei realmente sem entender.

- A ilha, as festas... - Ele disse - A gente pode cancelar tudo...

- Não. - Eu respondi - As festas vão continuar.

- Théo... - Ele me censurou.

- Eu sei que eu tomo muitas decisões estúpidas - Eu comecei - Sei que te magoei, sei que te fiz me odiar, mas as festas vão continuar. Minha ilha está sendo atacada e ela é o maior presente que o meu pai me deu. Ele sabia que estava morrendo e mesmo assim quis que eu continuasse com as festas, mesmo assim mandou minha mãe pra cá e mesmo assim deixou um livro pra que eu decifrasse... Eu preciso de respostas e essas respostas estão aqui!

- Então as festas vão continuar? - Ele se deu por vencido.

- Em homenagem ao maior homem que eu conheci em minha vida. - Eu respondi.

- Tudo bem. - Ele respondeu cansado.

- Por favor, Klaus - Eu pedi em uma semivoz - Não vai embora. Foi isso que você veio fazer, não foi? Me dizer que estava indo.

- Eu não vou a lugar nenhum... - Ele respondeu - Não mais...

- Eu sinto muito pelo que eu fiz. - Eu disse - Eu sei que eu sempre passo dos limites, e que eu sempre erro e que eu sempre forço as pessoas a me odiarem, mas é por isso que eu te amo, porque você é diferente de mim, você é melhor... Você é bom, Klaus... Então se você puder me perdoar só mais uma vez...

- Ei... - Ele disse - Não diz mais nada, ok? Eu sou o seu melhor amigo. Já nem lembro que você... O que você fez mesmo? - Ele brincou.

Eu me virei para encará-lo e fui inundado pela vastidão de seus olhos. Segurei-o com mais força ainda e o beijei. Ele correspondeu o beijo... Um beijo que diferente de muitos outros estava repleto de tudo que nós sentíamos. O gosto era amargo, mas era ao mesmo tempo doce. Talvez fosse a saudade, ou algo que não sei dizer.

Eu me lembro de adormecer novamente, exausto pelo choro excessivo. Klaus permaneceu ao meu lado até o amanhecer, quando depois de sofrer o suficiente eu tranquei o meu luto e me vesti de coragem para dar a notícia aos outros, como quem não se importava com aquilo.

Filhos da Tormenta - Aquele Verão [Livro 1]حيث تعيش القصص. اكتشف الآن