| A GRANDE CEIA DO BEARBUCKS |

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Saio para a noite fria e me arrependo de não ter pego o casaco, o frio é cortante e a nevasca que vira ser anunciada pela TV mais cedo parece ter deixado um rastro em cada esquina

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Saio para a noite fria e me arrependo de não ter pego o casaco, o frio é cortante e a nevasca que vira ser anunciada pela TV mais cedo parece ter deixado um rastro em cada esquina. Não faço ideia de para onde a Maya possa ter ido, mas decido seguir andando até o final da rua da cafeteria, com os braços cruzados numa tentativa frustrada de se aquecer.

A rua se estende a perder de vista, e a calmaria da noite natalina parece só ser perturbada por um ou outro carro que vez ou outra surge na estrada, os últimos resquícios de neve caem em flocos sobre os meus cabelos e cílios, e enquanto caminho, tento afastar dos meus pensamentos as lembranças de como fui desprezível com ela, não só hoje, mas durante todo esse tempo...

Eu nunca havia parado para pensar sobre os limites e as fronteiras da minha sexualidade, tampouco sabia ao certo no que a minha atração por meninas me transformava (lésbica? Sapatão?) o fato é que eu sempre soube que havia algo a mais - e não falo das vezes em que observei as meninas de sutiã após os treinos ou do modo como o Erick parecia nunca me fazer completamente satisfeita. - Mas do meu próprio entendimento de mim mesma, e claro, da Maya.

A verdade é que eu sempre tive um olhar especial para ela, que por sua vez sempre os retribuiu com desprezo. Não a culpo, era realmente desprezível que eu ficasse assistindo e ouvindo enquanto a Denise, Samanta e Agnes vomitavam e escancaravam todo o seu preconceito. De tanto a chamarem de "menina machão" pelas costas, eu praticamente havia esquecido o seu nome.

Foi essa a observação que fiz enquanto tentava encontrar o seu usuário no Instagram, e quando enfim consegui (com muitas fotos mórbidas no feed e nenhuma exibindo o próprio rosto) sequer sabia o que falar...

Comecei dando um simples "oi", e como ela não havia aceitado o meu pedido de amizade, minha mensagem havia ido direto para as solicitações de mensagens, onde permaneceu por duas semanas. Eu já nem esperava mais algum tipo de retorno quando seu "o que você quer, afinal?" me virou a cabeça.

Eu não tinha uma resposta para aquilo, e após esperar os dez minutinhos de "desinteresse proposital" (que é quando você não quer dar muito na telha que está realmente afim) eu simplesmente tomei coragem e expus para ela como eu me sentia em relação ao comportamento das meninas com ela. Basicamente eu me desculpei pela imbecilidade alheia e fiz questão de deixar claro que não compactuava com aquilo.

Eu devo ter me saído realmente bem, mas naquela época, a Maya era bem menos receptiva do que agora, me lembro com clareza qual fora a sua resposta para o meu primeiro contato:

"Aqueles que se calam diante de piadas preconceituosas são tão preconceituosos quanto o próprio piadista."

Eu gostaria de dizer que fiquei bem depois disso, mas levei alguns dias até tomar coragem de voltar ao seu chat novamente. Dessa vez eu admiti que estava no mesmo cesto em que a Denise e as meninas estavam, e após mais um pedido de desculpas, fiz questão de salientar que embora estivesse no mesmo cesto, não era uma fruta podre. Sua resposta foi menos hostil, eu refiz o pedido de amizade (ao qual ela aceitou) e naquele dia surgiu uma linda amizade virtual, que permaneceu com esse status por muito tempo...

Era difícil vê-la pelos corredores do colégio e não poder sequer sorrir para ela, ser líder de torcida e melhor amiga da Denise estabeleceu uma algema invisível entre nós, éramos praticamente uma só, e não havia uma hora do dia em que não fôssemos vistas andando juntas, eu me sentia em minha própria versão de Romeu e Julieta lésbico, e todo esse jogo de cintura para manter o meu relacionamento e as minhas amizades sempre foi algo exaustivo, mesmo nos dias de hoje.

Pouco a pouco - e entre uma mensagem e outra - eu fui descobrindo mais e mais sobre a Maya. Uma das primeiras coisas que soube é que ela sempre foi tímida e vivia fechada dentro da sua concha, sair dela nunca foi uma possibilidade, se você quisesse conhece-la, teria que entrar na concha também. E eu entrei, mergulhei de cabeça em seu mundo de ACDC, Scorpions e Pitty, entendi o conceito Rock Alternativo e despojado por trás do seu visual (que destoava completamente do meu) e por fim compreendi porquê o preto era definitivamente sua cor preferida. No final disso tudo, estávamos finalmente prontas para nos encontrar às escondidas...

Era véspera de natal como hoje e fazia um ano que eu havia começado a trabalhar como atendente na Bearbuks. Escolhemos a cafeteria como local de nosso encontro e o único termo foi que ela viesse alguns minutos antes de fecharmos tudo, Maya seguiu o roteiro perfeitamente, sentando numa das mesas para dois e aguardando pacientemente até que o último cliente fosse embora e o Amos também.

No fim da noite, eu estava cansada, cheirando a expresso e com recheio de Donuts na camisa, mesmo assim a Maya insistiu que eu estava linda. Conversamos sobre o quanto era difícil para mim ter de trabalhar em plena véspera de natal, e me pareceu inacreditável que ela odiasse a data:

"O que damos de presente pra alguém que odeia o Natal?" - ela brincou:

"Protetor solar, pra usar no inferno." - respondi, e rimos muito disso.

Foi aí que ela me beijou.

E aí eu me apaixonei...

...

Sequer consigo acreditar quando finalmente a encontro, e preciso esfregar os olhos para me certificar de que não é nenhuma miragem em meio a tanta neve. Lá está a Maya, sentada na praça que fica mais a frente, sentada em um banco coberto de neve enquanto observa toda a decoração do local, os anjinhos pendurados nas árvores e as luzinhas ornamentando tudo.

Me aproximo vagarosamente, sem saber ao certo o que dizer:

- Maya...

- Maya

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