As Quatro Badaladas do Sino de Natal (Romance LGBTQIA+)

| CACOFONIA |

Vejo a Naomi assumir um semblante surpreso e sigo a direção do seu olhar, me deparando com a cena mais inusitada da noite; de onde estamos, conseguimos ver um garoto - que logo percebo se tratar do Tony -, adentrando na Bearbuks com pelo menos meia dúzia de líderes de torcida em seu encalço, todas trajando uniformes natalinos que põem a prova a resistência delas ao frio incisivo da noite. Uma delas - notavelmente a cabeça do grupo - parece bastante confortável em ter os braços entrelaçados ao garoto, que assim que percebe a reprovação eminente no olhar da Naomi, logo tenta se desvencilhar dela. Tarde demais.

Ele atravessa o salão à passos largos e logo está bem diante de nós, dando uma breve e curiosa olhadela pra mim antes de falar:

- Oi, e-eu tive uns problemas no caminho pra cá, como você pode ver.

Ele gagueja, passando as informações rápido demais para que se possa acompanhar. Está ofegante e tem o aspecto de quem está prestes a sofrer uma hipotermia:

- É, estou vendo... - Naomi replica com certo desdém, mas nitidamente ressentida pelo que acabamos de presenciar. E não é como se eu fosse um Ritchie (conselheiro amoroso) nem nada, mas chegar em um encontro na companhia de outra garota, não parece ser o modo mais inteligente de fazer as coisas darem certo. Ele também sabe disso, posso ver que ele conseguiu captar o desprezo em sua fala:

- Eu não tinha o que fazer – retoma -, coçando a nuca na tentativa de organizar as palavras bagunçadas. - O trem que eu peguei teve que fazer uma parada de emergência e eu até esperei, mas, mas, eu não tinha nenhuma notícia sua e nem sinal no celular, aí eu decidi sair e seguir a pé, foi quando encontrei elas e o carro jogou lama em nós dois e acabamos num posto de gasolina por que a Denise não queria usar o uniforme sujo na gravação do...

- Ah, Claro! - Ela intervém, arqueando a sobrancelha. - E o príncipe perfeito salva a dama em perigo, porquê sabe-se lá o que pode acontecer caso as coisas não saiam como a Denise espera, é sempre o fim do mundo!

Consigo perceber que a coisa é séria, e vai muito além do que a Naomi me contou. Todos parecem conhecidos ali, o suficiente para se manterem perto - ou no caso da Naomi - bem distantes:

- Eu sei que você não gosta dela, sei que rolou aquelas paradas no começo do ano e tudo mais, mas, fala sério, quer dizer, se aquilo parece ameaça para você, fica tranquila, eu não quero mais nada com ela, nessa ou em outra vida, só estava tentando ajudá-las, como o coroa me falou mais cedo e...

- Você só pode estar de brincadeira comigo!? - a cabeça do grupo exclama, entrando na conversa subitamente e tomando a fala pra si, surgindo sem nenhum aviso prévio. - É por isso que a coisa entre nós acabou? Por essa... esse... sei lá como chamo. Ah, é, esse TRAVESTI?!

A tensão paira no ar, fazendo com que eu fique ainda mais desconfortável no meio do conflito, tento deslizar para fora do assento e ir ao banheiro até que os ânimos se acalmem, mas acabo permanecendo onde estou. A garota sustenta certa empáfia e parece a personificação da própria Regina George, ao passo que a Naomi parece prestes a esbofeteá-la. Tony apenas se coloca entre as duas, mantendo ambas numa distância consideravelmente segura uma da outra, e a essa altura já estou desesperado por qualquer notícia que seja do Samuel, e como se numa espécie de intuição divina ou sei lá o que, eis que o tilintar da sineta anuncia a chegada dele, mas não sozinho, ao que consigo ver, está na companhia de um homem idoso que parece ter encontrado mendigando em alguma esquina afora, pois este se encontra maltrapilho e vulnerável.

O que mais pode acontecer nesta noite?