Bem Maior do que a Paixão

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Depois de secar o trigésimo copo e recolocar a vigésima garrafa na prateleira correta, Maneco sentou-se um pouco para descansar. Ainda sentia dolorosas fisgadas no joelho direito. Sobretudo quando fazia frio ou mudava o tempo. Era quando a perna mais incomodava, fazendo inclusive, que ele mancasse ao caminhar. Por mais que usasse emplastros e banhos recomendados pelo médico, nada adiantava. O que aliviava um pouco suas crises eram os chás de ervas que Rose lhe recomendava.

Ele olho as nuvens pela janela aberta do Notre Dame. Havia deixado ela aberta a madrugada toda. Por sorte, ele levantara primeiro que o pai, se não o velho teria feito um escândalo que duraria dias...

Olhou o céu que ainda raiava as primeiras luzes da manhã, as nuvens brancas e fofas que lembravam flocos de algodão, alguns pássaros isolados ou em bando cruzando a paisagem com suas cores escurecidas pela sombra e distância.

Aquele céu se assemelhava muito ao céu daquele dia, 8 anos antes, quando quase perdeu a perna e o coração...

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"Espera Maneco. Você não conhece o caminho!" - gritara Ana Terra ao jovem amigo enquanto adentravam na mata segundo o barulho do rio.
Maneco estava empolgado. Sabia que Ana se embrenhava na mata como se fosse uma macaca.

Ela, Benjamim e José, e os outros meninos das redondezas. Mas Ana era a mais valente e ousada. Sempre ia sozinha, ou quando todos os meninos iam juntos, mas ficava em companhia dos gêmeos tutelados por Nicholas. Na infância e início da adolescência, nenhuma das crianças reparava na cor dos meninos. As coisas mudaram de maneira cruel quando chegaram a juventude e idade adulta.

Maneco, no auge dos seus 11 anos, finalmente convencera Ana à levá-lo à cachoeira que dizia haver descoberto. Ele seria o primeiro a vê-la. O primeiro à nadar na piscina natural que tantas vezes Ana havia descrito para deleite e ceticismo dos meninos.
Ele, Maneco Braga da Costa, seria o primeiro à ir na cachoeira que nenhum adulto sabia a localização.

Claro que Ana Terra havia sido a primeira à descobrir, mas Ana não contava: ela era uma menina.

"Espera Maneco. Deixa de ser teimoso. Pode ter armadilha pra pegar jaguatirica por aí... Me espera moleque!"

A empolgação não deixa o menino ouvi-la. Ele corre e se esquiva, com seu corpinho franzino, de toda árvores, arbusto e galho que cruza o caminho. Segue impaciente o som das águas, cada vez mais nítido. Alguns metros à frente, encontra grandes pedras cobertas de limo. Com cuidado, escala algumas até chegar numa rocha imensa. De lá, avista a queda d'água. Infelizmente, de onde está não pode alcança-la.

"Desce já daí, garoto teimoso. Você passou a entrada uns trinta metros atrás. Agora desce com cuidado."

"Você não é a minha mãe. Para de ficar dando ordens!" - se rebela o menino, e na mesma hora se arrepende. A própria mãe está mais interessada em beber o estoque do pai do que em passar algum tempo com o próprio filho. Quanto mais sair numa aventura com o menino. "Eu tomo cuidado. Só estava olhando a vista. Vou descer." - se retrata em tom arrependido. E agradecido por Ana não ter demonstrado qualquer reação diante da malcriação, começa sua descida.

Em dado momento, escorrega no limo de uma pedra menor e rola até o rio, onde sua perna fica presa entre duas pedras.

Menos de dois minutos depois, Ana Terra já estava com ele, tentando tirar a perna, ou mover a pedra... Mas as pedras são muito pesadas para as duas crianças e tudo escorrega com o limo. A água não bate nem no peito do menino, então Ana Terra decide buscar ajuda.

Volta depois de 1:30h, com o pai do guri e os gêmeos ferreiros e suas ferramentas. Mais meia hora de esforço e conseguiram tirar o menino inteiro daquela situação.

Maneco ficou duas semanas de cama, sem poder botar o pé no  chão. Seu Euzébio não quis gastar dinheiro com médico. Disse que era arte de menino e logo passaria. A mãe tão pouco se importou. Só deixou claro que não levaria comida na cama.
Então Ana Terra, sentindo-se culpada pelo acidente, cuidou dele até que se recuperasse. Quando tornou a andar, já não era mais tão ágio como antes. Mas era, com certeza, mais maduro.

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Ela não tinha culpa. Maneco sabia disso e lhe dissera diversas vezes a mesma coisa depois daquele incidente.

A única coisa que ele nunca lhe dissera foi o sentimento de gratidão e admiração que desenvolveu pela mesma. Chegara sim, a se sentir atraído por ela. Uma mulher forte, independente, ousada... Tão diferente da maioria das outras mulheres de sua convivência, e ao mesmo tempo tão familiar.
Porém, o que nutria por ela estava muito além de qualquer sentimento romântico e apaixonado. Por Ana Terra, Maneco sentia a mais profunda é pura LEALDADE.

E foi pensando nela que tornou a trabalhar. Seu próximo passo seria saber com Antônio que providência tomara com relação a denúncia feita por ele na noite anterior. E então informaria à Ana. Justiça seria feita.

A Domadora de CavalosWhere stories live. Discover now