Por um Triz

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"Má vejam só: hoje a Gramurosa abriu mais cedo" balbuciou Carlos de um canto, enrolando a língua de tão bêbado.

"Nada disso. Balbina (apelido da casa de prostituição, nome de uma antiga prostituta do lugar) só serve carne nova e fresca. Égua pros franzinos tem nas fazenda mermo..." Provocou Severino junto ao outro capanga. O patrão Antônio também estava sentado, bebendo com seus homens e observando Ana Terra de cima à baixo.

Os punhos de Ana se fecharam com força entorno do saco. Agradeceu com um aceno e virou para sair. Mas Severino, abusado, a segue gracejando até a varanda, onde a segura pelo ombro a virando bruscamente.
Ana Terra, por reflexo, solta o saco no chão e puxa sua faca de caça, pressionando contra a garganta do homem. Em poucos segundos, os homens se armam de espingardas e revólveres apontando para ela.
Um fio fino de sangue começa a descer da fricção gerada pela respiração de Severino contra a faca firme na mão da amazona.

Só então Antônio se pronuncia: "Não vamos transformar essa tarde tão agradável num banho de sangue... Não concorda, senhorita?"

"Mantenha seus cães na coleira, senhor Antônio. Minha dívida com o senhor é em dinheiro. Não vou ficar devendo sangue de porcos a ninguém" responde Ana, ainda com olhos fixos num Severino trêmulo e pálido.

"Cães... Porcos... Acho justo que se refira assim à esses animais. Tentaram lhe ofender comparando-a com uma égua. Não são nem dignos desses insultos. São verdadeiros vermes."

Ana permanece tensa enquanto escuta Antônio. Aparentemente muito mais leve e despreocupado que dá última vez que se encontraram.

"Poderia, por obséquio, abaixar a faca e liberar meu homem? Dou minha palavra que não o deixarei fora da 'coleira'."

"Primeiro teus cães abaixam as armas."

"Justo. Rapazes, guardem as armas, sim?! Agora a senhorita."

Ana observa todos baixarem as armas e então afasta a faca alguns centímetros, se abaixa, ainda empunhando a lâmina na direção de Severino, pega o saco e dá passos lentos para trás. Quando está suficientemente distante de Severino, este saca a arma que estava nas costas e tenta atirar em Ana Terra. Mas o tiro chicoteia para o lado.

Tudo muito rápido e confuso, até que fique claro. Antônio acertou a mão do próprio capanga antes que sua mente bêbada pudesse mirar na mulher que estava em distância à queima roupa.
Com um grito, o homem cai em posição fetal envolta da própria mão ferida, contorcendo-se de dor.

Ana olha surpresa para Antônio que guarda tranquilamente a arma em sua cintura e pega novamente o caneco de cerveja.

"Ela não me pagará o que me deve se estiver morta. Enquanto eu não receber o que me pertence, ninguém toca nela ou no pai. Estamos entendidos?" Todos os presentes concordam, porém Carlos, que observava toda a cena ao lado do patrão, apenas estreita os olhos na direção de Ana Terra, e novamente seu característico sorriso de escárnio aparece. Ana dá mais dois passos para trás antes de virar novamente e seguir até seu cavalo.

Ele a defendera porque lhe devia? Claro que não. Havia mais ali, e Ana não sabia ao certo se seria melhor já saber o quê.

Ao chegar no cavalo, Maneco a alcança correndo, pede lhe desculpas e lhe dá um vidro de algum doce caseiro como pedido de desculpas adicional.

"Estão tratando dele lá dentro, a bala pegou de raspão. Eu só não entendo... Por qual motivo você reagiu daquele jeito? Geralmente é tão fria e controlada... O que aconteceu?"

"Aquele homem sujo passou dos limites. Criatura nenhuma merece esse tratamento."

"Está falando das putas? Não se ofenda ao ser comparada aquelas pobres infelizes..." Ana o interrompe: "Não é disso que estou falando"

"Aquele infeliz abusa de éguas. Eu mesma já ajudei a tratar uma potrinha da fazenda do pai de Antônio. Muitos garotos fazem isso  até conseguirem  uma mulher ou dinheiro para uma puta. Mas o esgraçado quebrou um galho de árvore dentro da potrinha. Ela morreu de uma forma horrível e angustiante. Eu deveria tê-lo matado quando esteve sob minha lâmina. Seria um monstro a menos na região."

Atordoado, o rapaz questiona se o patrão sabia do que o homem fazia. Ana desamarra e monta em seu cavalo sem dizer palavra. Maneco cerra os dentes e caminha de volta para Notre Dame ao mesmo tempo que observa a mulher galopar para longe. Se Antônio não sabia que tipo de homem estava sob seu comando, não sairia dali sem saber.

A Domadora de CavalosOù les histoires vivent. Découvrez maintenant