Tudo Tem Seu Preço

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Amarrou os braços do rapaz para trás, e mandou levantar-se. A poucos passos da porta, chamou Carlos. Quando o capataz apareceu no batente, jogou o capanga cabeludo no chão. Não foi necessário nenhum diálogo para que as partes se entendessem. Carlos sorriu de lado ao mostrar a garrafa de vinho na mão. Raridade. Primeira safra da fazenda. Presente de Antônio para Palmira. Todos conheciam a história. Aquela garrafa tinha rendido a grande guerra entre Antônio e o pai, que se arrastou por anos.

Retalhações de ambas as partes levaram o terreno às mãos de Daniel, e por ironia, ali estavam os mandados do novo dono da fazenda cobrando pelo mesmo.

A garrafa maldita em seu vidro escuro reluzia trêmula à luz dos lampiões à querosene. Aquilo parecia amaldiçoado. Mas era tudo que restara de sua mãe. Mesmo com todas as dificuldades que viveram, Ana Terra sempre fez questão de preserva-la. E se até Daniel respeitava isso... Não seriam aqueles abutres que tomariam dela.

Ana ergueu a faça o suficiente para que fosse vista na parca luz. O que fez apenas que o sorriso de Carlos se alargasse mais. Ele por sua vez, deu lentamente dois tapas na arma em sua cintura. Então ele a empunhou...

Antes que Ana fizesse o primeiro movimento, três tiros ecoaram pelo ar. Um acertou o telhado, outro a parede do lado direito da cabeça de Carlos, o último, na mesma direção, mais próximo de seu corpo. Esse quase o acerta.

Os tiros vinham de trás de Ana, assim como o barulho de cascos de cavalo. Primeiro ela pensou que fosse seu pai. Mas a falta de reação de Carlos deixou evidente que era outra pessoa. Alguém que não errou por acidente. Alguém que nem mesmo o bruto capataz seria capaz de desafiar. Era Antônio.

Ana sentiu minuto de confusão. Mas a atitude do homem tinha sua lógica: ele mesmo queria tirar a vida dela. Assim como fez, mesmo indiretamente, com sua mãe e seu irmão. Ela cairia aquela noite, mas não cairia sem lutar.

Apertou o cabo da faca na mão até os nós dos dedos ficarem brancos. Sentiu o sangue fazer latejar suas têmporas, só não tinha certeza se de raiva ou espectativa.

Antônio, um homem já com meia idade, mas de porte invejável, mantinha impecável postura no cavalo, não era possível identificar sua expressão mas percebia-se muito suor em seu rosto.

Ele chamou os capangas que se aprontaram aos tropeços. Ana nem mesmo viu quem desamarrou o novato. Mas percebeu os movimentos deles subindo em suas montarias.

Antônio deu uma ordem e Carlos lhe entregou a garrafa. Por um momento, Ana pensou ter ouvido um suspiro, e talvez alguma hesitação em sua voz. Mas estava escuro demais para ter certeza de qualquer traço de emoção vinda de Antônio.

"Quando pagar sua dívida, beberemos esse vinho juntos" ele disse firmemente.

"Eu não te devo nada. A dívida é do meu pai"

"Quando meu pai morreu, honrei todas as propriedades e suas respectivas dívidas. Honre as suas também". E dizendo isso, partiu em rápida cavalgada seguido de perto pelos três capangas.

Ana Terra ficou alguns segundos tensa, tentando decifrar se fora ameaçada, ou comunicada de algo.

A urgência agora, era encontrar o pai.

A Domadora de CavalosWhere stories live. Discover now