A Primeira Impressão

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Capítulo dedicado a karincostr.
Boa leitura!
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Pela manhã, uma criada foi levar o desjejum para Ana Lua na cama. Ela acordou assustada com o barulho da mulher entrando.

Na noite anterior, chegou tensa e apreensiva na casa. Mesmo assim, María Cecília fez Tininha lhe servir. Então comeu uma laranja e um pedaço de galinha assada dando-se por satisfeita. Ainda era relativamente cedo, mas a governanta levou-a para o quarto em que se instalaria. Apenas a ajudou a trocar de roupas e a colocou para dormir. Disse que na manhã seguinte a ajudaria a desfazer as malas e a tornar o quarto do seu jeito... "Não existe jeito que torne esse lugar um lar" - pensou pesadamente. Já deitada, encarou o teto por alguns segundos, observando os desenhos que a luz da lua projetava através dos vãos da cortina. Achou que não pregaria os olhos a noite toda, mas assim que relaxou entrou em sono profundo e só acordou com a criada entrando com seu desjejum.

Ana a perguntou onde os outros estavam tomando seus cafés. Ela informou que o patrão não havia acordado ainda. Ana insistiu em saber onde todos tomavam café... Um pouco constrangida e com medo de ser vista como petulante, a jovem informou que além do patrão e de Ana, apenas os empregados domésticos comiam na casa. E estes estavam na cozinha (faziam uma pequena pausa, já que estavam de pé desde antes do som despontar no horizonte).

"Ótimo" - disse Ana Lua - "me ajude com o robe e leve meu café para lá. Não vou tomar meu desjejum sozinha". Ainda mais constrangida e surpresa, a empregada obedeceu. Ana Lua foi de robe seguindo-a para cozinha. Ainda do corredor, ouviam vozes e risadas que logo foram interrompidas quando os presentes a viram entrar no cômodo.

Ana Lua sentou-se à mesa, ao lado de Maria Cecília, que lhe ofereceu um sorriso. No ambiente também estavam Carlos, à beber café numa caneca de lata; Tininha, que já terminava os preparativos para o almoço que seria servido em breve; Virgínia e Rosário, ambas empregadas da casa e, esta última, Ana ficou a saber que era a empregada que lhe levou o café no quarto.

Ana Lua pensou em perguntar pelo rapaz de cabelos longos que guiava a carroça na noite anterior, sob o pretexto de agradecer. Já havia agradecido à Maria Cecília, mas nesse caso, seria obrigada à fazer o mesmo com a inquieta e desagradável Tininha. Preferiu então não trazer escândalo.

Foi apresentada rapidamente à Virgínia e Carlos. Ambos foram embora logo em seguida. Assim como Rosário. Apenas Tininha ficou, concentrada em seus afazeres, e a velha Maria Cecília.

Ana ficou tomando seu desjejum em silêncio, perguntando ocasionalmente coisas relacionadas ao funcionamento da casa. Estava acostumada à uma rotina rígida de horários, e se sentia um pouco estranha de estar tomando o desjejum tão tarde - já passava das 9:00h.

Enquanto procrastinava tomar seu copo de refresco de abacaxi, ouviu passos pesados vindo do ambiente externo. Logo aparece um homem alto e forte carregando um grande saco de estopa sobre os ombros. Ele passa pelas mulheres e entra numa terceira porta (a cozinha tinha uma entrada pelo interior da casa, vindo pelo corredor, e na parede oposta, uma porta que dava pro lado exterior), essa um pouco escondida, atrás da chaminé do enorme fogão à lenha. Ela logo presumiu ser a despensa e que o homem descarregava suprimentos. Baratas, cebolas, ou outra coisa que eles consumissem ali.

Quando o homem voltou é que ela realmente pode reparar nele. Negro, mais escuro que Tininha, mas seus traços não eram completamente negroides. Apesar dos lábios grossos, seu nariz era afilado e os olhos quase claros. Percebeu até uma certa semelhança entre ele e a jovem cozinheira. Talvez fossem irmãos...

-"Bão dia à vosmicê, senhorinha." - disse constrangido ao perceber que Ana se demorava à analizar suas feições. Vestia uma camisa que já fora branca, mas estava muito manchada, principalmente nos ombros - "certamente de carregar carga", pensou Ana- e uma calça cáqui, calçando um par velho de botas.

- "Bom dia" - Ana o cumprimenta de volta - "Você e Tininha são irmãos?" - pergunta sem dar meia volta. Ambos, Tininha e o homem ficam constrangidos. Ele ainda mais do que já estava.

- "São casados, senhorita Ana. Este é João, carpinteiro da propriedade e esposo de Tininha" - responde Maria Cecília, sem se abalar com a falta de filtro da jovem herdeira.

Visivelmente desconfortável, João sai do ambiente o mais rápido que pode. Olhando ele partir, Ana repara na camisa grudada em suas costas suadas e que a calça revela um volume avantajado em suas nádegas. Logo depois, franze o celho ao sentir o odor forte de suor.

O que não passou despercebido à velha governanta : "Tininha nos dê licença." -logo que a jovem saiu, Maria Cecília se voltou para Ana Lua.

-"Já que a senhorita não faz rodeios para dizer o que pensa, acredito que gostaria de ser tratada de igual modo. Então direi o que vi de uma vez: vi seu desagrado com Tininha ontem à noite. E também vi sua expressão diante de João agora pouco. Saiba que nessa casa, pretos e mulheres não são considerados. Por isso, mantemos a cordialidade e o respeito entre nós. Somos nós contra os homens brancos.
E como administradora desta casa, e em nome da memória de sua mãe, não permitirei que destrate as pessoas pretas que estavam aqui. Apenas João e Tininha tem permissão para entrar na casa e isso já causa conflito com seu próprio povo. Não admitirei que sejam importunados aqui dentro também."

Assustada, Ana Lua leva as mãos ao peito e tenta se explicar - fora mal interpretada!
"- Não tenho nada contra pretos. Eu não via Pretos de perto no colégio, só de longe. Tininha eu reconheço que é um pouco irritante, mas não me importo com sua cor..." - ficou um pouco pensativa, e diante do silêncio de Maria Cecília, tentou se explicar novamente:

- "Ele tem o cheiro mais forte que um homem branco... É isso."

Incomodada com a resposta, a idosa se ajeita na dura cadeira de madeira e encara Ana Lua:

- "Eu vou considerar o que você quis dizer, mas espero que perceba que a diferença não está na cor. Você não está estranhando o cheiro dele por ser preto. Você estava acostumada com professores, pais e irmãos de alunas de um rico colégio interno. Gente de posse, que tomando ou não banho, tem dinheiro e compra perfumes e talcos. E agora está sentindo o cheiro de um homem pobre. De um trabalhador braçal."

Envergonhada, a jovem assente silenciosa. A idosa estava coberta de razão. Ana sentia-se uma escravocrata esnobe por seu julgamento chulo...
Ao mesmo tempo, começou a pensar: Não importa a quantas leis abolicionistas eram criadas. Pretos nunca tinham vez naquele lugar.
Pretos, mulheres, crianças... Onde há um homem branco ninguém mais é respeitado.

Por outro lado, se todos os pretos são mantidos fora dos olhos da família, porquê aquele casal era tratado diferente?

Começou a recordar da infância e das histórias que ouvia. Das fofocas sussurradas para sua ama mas que ela entendia claramente. Lembrou-se do seu aniversário 14 anos antes, e do derradeiro desfecho... Foi recordando do passado que se perdeu nas lembranças, e quando deu por si, estava sozinha na cozinha. Maria Cecília havia saído sem ela nem perceber.

Ainda passaria a limpo a preferência especial que existia em Tininha e João. Mas por enquanto, ela tinha uma tarefa mais urgente (pelo menos por enquanto) : desfazer as malas. Tomou o resto do refresco e seguiu de volta pelo corredor até seu quarto.

A Domadora de CavalosOpowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz