Um Castigo Implacável

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Depois de muito beber e dançar no A Glamourosa, Antônio dormiu boa parte da noite na cama de uma das cortesãs e retornara pra casa pouco antes de amanhecer. Em companhia apenas de Carlos e Severino, pois havia dispensado o resto do bando por aquela noite. Todos estavam muito bêbados, Antônio à ponto de não conseguir andar sozinho, por isso uma das prostitutas da casa o acompanhava também (na verdade, quase o arrastava). Uma jovem muito branca e de longos cabelos pretos. Seu corpo juvenil mostrava que tinha pouquíssima idade. Não mais que 16 anos. Mas já trabalhava na casa à pelo menos um ano e meio, pelas contas de Antônio.

Conforme caminhavam, arrastando os cavalos pelas rédeas (ninguém ousou montar naquele estado de embriaguez) Antônio perguntava uma coisa ou outra à garota, e sempre transformava suas respostas em ininteligíveis piadas de bêbado, das quais os dois capangas se acabavam de rir, entendendo ou não.

Perguntou sobre seu tempo como prostituta, sobre os tipos de clientes e de pedidos que tinha de atender... Ela respondia tudo muito vagamente. Com um simples "às vezes" ou "o que agradar ao cliente", visivelmente incomodada. Mas os homens estavam bêbados demais para entender seu mal humor.

Ela ambiciava seduzir algum velho rico e sozinho. Alguém que não durasse muito após o casamento. Ela precisaria de tudo. Só o suficiente para viver confortavelmente e bancar alguns luxos sem precisar se prostituir. Na verdade, quando herdasse alguma coisa, abriria seu próprio bordel. Um lugar limpo e organizado. Somente com moças da mais delicada beleza e muito educadas. Onde ela se deitaria com os homens que escolhesse... Tudo muito diferente do hotel de pulgas onde era obrigada a trabalhar. Um dia, ela teria uma grande oportunidade, e aproveitaria essa chance. Um dia, seria tratada como rainha. E nada, nem ninguém, atrapalharia ela atingir seu sonho... Pensando nisso, ignorava quase tudo à sua volta, ouvido só superficialmente o que os homens diziam.

Em certa altura do caminho, e depois de um longo período em silêncio, Antônio lhe perguntou se gostava de cavalos. Ela fica surpresa com a pergunta. Mas diz que sim. Que os achava animais belos e elegantes. Então o tom de Antônio muda. Mais sério e controlado, ele continua:

"Sabe, eu acho cavalos os animais mais fantásticos depois das mulheres. Cavalos são inteligentes de uma forma única. Eles lêem a alma da pessoa. Se não gostarem de alguém, algo de muito errado há naquele alguém."
Os três acompanhantes permanecem em silêncio enquanto caminham. Aguardando que Antônio retome sua fala, e é isso que ele faz.

"Cavalos tem uma aura mágica. Tão mágica que somente alguém muito especial pode compreender... Foi por causa de um cavalo que conheci o grande amor da minha vida."
Ainda em silêncio, Carlos solta um pigarro e Antônio assente com a cabeça. Então o capataz pega as rédeas do cavalo de Severino e as entrega à prostituta.

"Vê esse Puro Sangue Árabe?" - Continua Antônio, apresentando o animal do capanga, que entre tropeços embriagados, percebe que Carlos não está tão bêbado quanto parece, e nem o patrão. Confuso, tenta esclarecer as ideias mesmo na nuvem mental do álcool. - "Um animal muito bom em corridas e caminhadas. É obediente e forte. Seu maior atributo é a resistência. Essa raça é muito procurada, uma das mais caras. Fique com ele. É um presente por ser tão prestativa e atenciosa."

A jovem olhou as rédeas em sua mão e olhou Severino, que também parecia confuso com a situação.

-"Sabe" - continua Antônio - "da mesma forma que apenas pessoas realmente especiais conseguem compreender a aura mágica de um cavalo, somente o mais desprezível e mesquinho dos homens poderia fazer mal à uma criatura dessas. Homens que ferem seu animal injustamente... Que maltratam e abusam de seus equinos merecem sofrer uma grande punição. Tão grande quanto a crueldade com a qual os tratou."

Severino, mesmo sob efeito do álcool, percebe que há algo errado. Pouco a pouco o patrão e a prostituta se afastam dele e de Carlos, tomando uma boa distância à dianteira.

Em dado momento, Antônio coloca a jovem sobre o cavalo recém presenteado e toma sua própria montaria. Como a moça não sabe cavalgar, ele puxa as rédeas do cavalo juntamente com as suas, enquanto cavalgam lado a lado, tomando cada vez mais distância dos outros homens.

"Tanto que conversamos, e ainda não sei sei nome". - questiona Antônio.
- "Camille. Me chamo Camille". - responde a menina com algum sotaque na voz, que soa anasalada. Logo em seguida os dois ouvem o som de um grito absurdamente assustador. O berro de um homem que possivelmente sentia um tipo de dor impossível de suportar calado.

Camille vira o pescoço rapidamente na direção em que ouviu o som, mas o sol ainda não saiu completamente, e a neblina não ajuda a ver muito longe na estrada. Ignorando os gritos e o comportamento assustado da menina, Antônio continua o  diálogo: "Camille, você gostaria de aprender à montar? Digo, montar sozinha. Para poder sair com seu animal novo."
Atordoada e com medo, ela balbucia um "sim, obrigada" com a voz quase inaudível. Logo ouve mais um grito horrendo vindo lá atrás, da névoa, pouco depois, um tiro.

"Ótimo. Amanhã veremos alguém para ensina-la. Tenho certeza que será uma ótima amazona. Equitação é uma arte que por aqui poucos entendem ou exercem bem. Você vai se divertir, garanto."

O sol já dissipa o restante da neblina quando uma brisa morna começa a soprar. Eles chegam finalmente à porteira que dá entrada à fazenda de Antônio. Enquanto o homem desce da montaria e abre a porteira, a menina ouve o som de cascos de cavalo contra o cascalho vindo em sua direção, não muito longe. Em poucos segundos, Carlos passa direto pela porteira, ultrapassando o patrão e a prostituta que o acompanhou atentamente com o olhar. Mesmo passando muito rápido, ela ainda pôde notar que havia sangue nas calças e camisa do homem. Assim como em seu braço direito, até o cotovelo.

Seja lá o que tivesse acontecido com o outro homem, ela não perguntaria nada. Não era da sua conta. Aprendera cedo que onde há sangue, não devem haver perguntas. Geralmente as respostas incluem mais sangue...

Segurou o estômago para não vomitar e sorriu para Antônio. O melhor sorriso falso que uma mulher é capaz de dar à um homem mal. "Como a frase que eu ouvia na infância", refletiu Camille : "Calar e sorrir, são a receita da sobrevivência".

A Domadora de CavalosWhere stories live. Discover now