O Último Dia de Uma Vida

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Assim que a luz do sol adentrou pelas janelas do dormitório, Ana Lua despertou. Entretanto, permaneceu deitada ouvindo os sons das outras meninas no quarto. Gradativamente, o dormitório "B" foi criando vida, mesmo com Ana fixa na posição dos mortos. Levantou - se apenas quando Priscila veio até sua cama.

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Priscila era a única pessoa que Ana considerava mais próxima. Durante os anos que passou no colégio, conheceu muitas meninas, professores e funcionários. Mas as amizades com as estudantes duravam pouco. Não havia um motivo especial para isso... Elas apenas não tinham muito em comum, o que desgastava o relacionamento. Ela e Priscila também não tinham muito em comum na verdade, exceto o fato de ambas nunca irem para casa, mesmo na época de festas e férias. A morena de pele rosada e olhos mel esverdeados, embora não fosse órfã, já era emancipada a alguns anos. Era parte de sua cultura familiar que os jovens aprendessem desde cedo a se virarem sozinhos.

O pai da moça era um homem dos livros. Antropólogo que vivia a viajar e estudar todo tipo de cultura. A mãe era uma amante da natureza, adepta do naturalismo e veganismo. Acompanhava o marido todas as suas viagens, experimentando a terra e a natureza. Eles tinham praticamente um filho por país que visitavam.

Até aquele momento, Priscila já tinha 12 irmãos. Três mais velhos e os outros mais novos, incluindo dois casais de gêmeos: dois meninos posteriores à Priscila, e um menino e uma menina caçulas.

A jovem sempre dizia que era fácil viver livremente e ter quantos filhos quisesse quando seus pais e sogros pagavam uma gorda mesada para não ter que conviver com os filhos e netos por perto. E embora ela fizesse duras críticas ao modo de vida dos pais, eles sempre lhe escreviam, os irmãos à visitavam com frequência, e ela amava a família do jeito complicado que eram.
Priscila nunca saía da escola por outros motivos.

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A morena tocou de leve os pés de Ana Lua. Assim que a amiga levantou, foram em silêncio até o banheiro. Ana se trocou, escovou os dentes, penteou os cabelos num coque baixo apertado e saíram para o refeitório.

Lá, todas as meninas comiam e conversavam animadamente. Só Ana e Priscila aparentavam algo mais próximo do desânimo ou tristeza. Todas conheciam a história de Ana Terra. Num colégio interno, onde todas ficavam meses presas juntas, as fofocas eram inevitáveis.

Algumas meninas se aproximaram da mesa de Ana e Priscila. Levaram doces, um livro e um pequeno caderno com caneta para servirem de distração durante a viagem que faria no dia seguinte, bem cedo.

Cinco dias se passaram rápido. Todos esses dias, Priscila ao seu lado. Nunca a amiga esteve tão próxima como naquela semana. E nesta manhã específica, estava demasiada abatida.

Ana aceitou os presentes mas sem desviar os olhos da amiga, que estava com o rosto inexpressivo, apesar da pálida aparência e de manter a cabeça baixa. Quando ia lhe perguntar o que acontecia, tocou-lhe o pulso. Esse pequeno e inofensivo toque a fez levantar e correr para fora do ambiente, surpreendendo Ana e as demais colegas.

Incentivada por suas companheiras de turma, Ana vai à procura da amiga, e logo a encontra aos prantos no corredor.

Elas se abraçam. Ana Lua tenta convencê-la que não será o fim de sua amizade. Que escreverão uma para a outra toda semana, e que irá esperar as visitas da amiga.

Ao sentir que Priscila se acalma, Ana Lua encara os olhos mel da amiga que lhe devolve o olhar com ternura. Afasta uma pequena mecha de cabelo negro solta dos grampos no alto da cabeça. Delicadamente, segura seu queixo enquanto sente as mãos de Priscila descer de seus braços para a cintura. Ela não sabe bem o que faz... Só que naquele momento, parece o certo. Encara por dois segundos os lábios entreabertos de Priscila e depois fecha os próprios olhos.

O toque de seus lábios é tão suave, quente, macio... Nem parece real. Lembra-lhe chocolate quente tomado no inverno, o abraço da luz num por do sol de verão, o calor de uma atitude de amor.

Apenas alguns segundos de lábios colados e logo são despertadas pelo soar do primeiro alarme. Elas se afastam quase no mesmo instante em que o corredor se enche de moças apressadas. Priscila segura a mão de Ana Lua e ambas caminham para a primeira aula do último dia juntas naquela escola. Mas com a promessa de num futuro próximo, ficarem juntas. Seguem para a aula sorrindo.

A Domadora de CavalosWhere stories live. Discover now