A Chegada

44 11 0
                                    


Estando próximo às Senhoras Encarregadas, fui uma das primeiras a acordar. O cheiro do chá que borbulhava no fogo, estava por todo o acampamento. O de hoje era hortelã. Ainda estava sonolenta ao descer da carroça, tive o sono perturbado por pesadelos, e acabei descobrindo que preferia dormir ao ar livre. O espaço reduzido e o calor dentro da carroça me incomodavam, mas naquela noite, a privacidade fornecida compensou o esforço.

As três encarregadas se dividiram entre preparar o dejejum, acordar os outros adultos do acampamento e organizar a partida. A senhora Thelma me pediu que a ajudasse com o desjejum, e enquanto eu cortava algumas fatias do pão que seria distribuído junto do chá, observei os membros da patrulha prepararem suas montarias, eles se mantiveram afastado do restante do acampamento e para minha decepção, novamente o oficial Otávio não estava junto deles.

A maioria das crianças ainda dormia. Tudo era preparado de forma silenciosa e ordenada eu já estava habituada aquela rotina. Ajudei com tudo o que me foi pedido. Procurei me manter sempre por perto, sabia que a Senhora Domitéa partia junto à primeira carroça, logo após repassar as ultimas instruções para a Senhora Thelma e a Senhora Aluízia, e assim, se eu me mantivesse ali, partiria junto dela. Deixando para trás os preparativos finais do acampamento e qualquer chance de encontrar com Hugo naquela manhã.

Eu estava triste pelo que estava fazendo com Anabelle, ela não merecia que eu me afastasse dessa maneira, mas não podia arriscar. Nunca mais seria capaz de olhar para aquele garoto depois de tudo o que ele havia lido, sobre todos os meus segredos e angustias. Tomara que A Torre seja um lugar grande o suficiente para nunca mais nos encontrar!

Esta manhã não estava tão quente como nos últimos dias. E o caminho começou a se revelar menos entediante à medida que avançávamos pela estrada. Vezes por outra eu avistava um pequeno agrupamento de casas, ou uma fazendinha. E o caninho, as curvas frequentemente revelavam algum viajante vindo no sentido oposto. Eu comecei a apreciar a viagem, a brisa morna rosto e o cheiro das flores do verão embalado pelo assovio das antigas cantigas do Mestre Guilherme serviu para afastar o peso da ultima noite.

O sol já estava alto, as aglomerações de casas e os viajantes apareciam com uma frequência cada vez maior, e eu estava muito empolgada. Tudo com relação ao fim de nossa jornada havia me feito criar uma serie de expectativas. Mas nenhuma delas me preparou para o momento em que avistamos o vale da Torre.

Passei minha vida toda no orfanato, e cresci escutando historias fantásticas sobre a grandiosidade dos doze castelos pertencentes a cada uma das doze Casas da Região, e de como nenhum deles se comparava a o fabuloso castelo do Rei. E que em comparação a tudo isso, era muito difícil acreditar que A Torre em sua simplicidade, já foi considerada o lugar mais importante da Região dos Reinos Livres. Abrigando sobre suas muralhas, família Real e os doze Conselheiros.

Ao ouvir tantas e tantas vezes esse tipo de comentário acabei criando em minha mente a imagem de uma estrutura simples, talvez duas ou três vezes maior que a do orfanato. Com muradas e a torre como era de se esperar. Onde um pequeno povoado criado na sombra dos anos de gloria do castelo, resistia ao tempo graças às novas atividades atribuídas ao local.

Como eu fui ingênua!

A Torre era uma construção sólida, e mesmo ainda estando muito longe, já era possível avistar sua estrutura imponente.

Sua arquitetura não era bela. Era prática, robusta. Assim, como um forte deveria ser, porém, muito maior do que um forte precisaria ser. Sua torre não tinha a intenção de ser majestosa ou coroar com elegância a beleza de um imponente castelo, mas sim a de ser alta o suficiente, para ser capaz de avistar o inimigo ainda muito, muito longe. A murada cercava o grande castelo em toda a sua extensão deixando entre eles um enorme pátio que seria capaz de abrigar todos os habitantes do povoado em casos de ameaça.

Por falar nisso, não havia um povoado a sua volta como imaginei, mas uma espécie de cidade próspera e ativa. Quando a comitiva alcançou a via principal reparei que eu não era a única a estar surpresa. Todas as outras crianças haviam se posicionado melhor nas carroças, umas estando até em pé, para poder absorver melhor o que viam.

Estalagens, tabernas, e ferreiros dividiam espaço com casas de moradia e bancas que vendiam ervas, especiarias, tecidos e todo o tipo de coisa que é possível imaginar. Os mercadores, e as pessoas que circulavam ocupadas com seus próprios assuntos ostentavam faixas de cores das mais variadas Casas do Reino. E para minha surpresa, muitas delas não usavam nenhuma, mas as maiorias das pessoas sorriam para a comitiva que seguia lentamente o seu caminho rumo aos portões abertos da muralha do castelo.

Era tanta coisa nova para se observar. Tinha tanto do que eu queria compreender melhor sobre aquele estranho lugar. Eu queria mais tempo em meio aquilo tudo.

Durante o percurso reparei como havia pessoas com vestimentas e fisionomias diferentes de tudo aquilo que eu estava habituada a ver, não só no orfanato ou no vilarejo da sua volta, como também, diferente de tudo aquilo que eu pude ver durante a nossa longa jornada até aqui. E me dei por conta que a maioria destes não possuíam faixas e que na verdade, deveriam ser estrangeiros vindos de todas as Sete Regiões com os mais diversos propósitos, e que de passagem ou como destino, agora estavam ali, no vilarejo da Torre, assim como a nossa comitiva.

Além de todas essas novidades, mais uma coisa acabou prendendo a minha atenção. O elevado número de soldados do Reis espalhados pela cidade.

Montados a cavalo ou não, eles estavam circulando atentos entre os becos e ruelas que podias ser vistos ali da rua principal. Caminhavam entre as pessoas aos pares, abordando os transeuntes sem um critério aparente. Entrando e saindo dos comércios e revistando cargas e mercadorias nas carroças que chegavam ou estavam de partida. Eu, assim como todos na comitiva, já sabia o motivo de tanta movimentação. Eu só não tinha certeza se mais alguém tinha reparado de fato nessa movimentação e no que ela significava. O invasor do Castelo tinha sido perseguido até o povoado da Torre! E ele poderia estar em qualquer lugar!

— Maxine isso não são modos para uma menina! Repreendeu-me a Senhora Domitéa me puxando pela manga do vestido para que eu me sentasse corretamente ao lado dela. — Se continuar se espichando dessa maneira há de cair da carroça!

— Sinto muito Senhora.

Ela provavelmente tinha razão, o meu pescoço estava dolorido de tanto me espichar, para olhar para trás e acompanhar as atividades dos guardas. Arrumei-me ao lado da Senhora Domitéa e com surpresa reparei que estávamos atravessando os portões da muralha. Olhei para cima esperando encontrar guardas ou sentinelas como é de se esperar em uma fortificação daquele tipo, mas foi em vão.

Dentro dos portões, espalhados por todo aquele imenso espaço, havia vários grupos, muito semelhante em tudo ao nosso próprio grupo. Fomos a ultima das quatro comitivas a chegar aos domínios da Torre, o que era de se esperar levando em consideração que tínhamos sido atrasados pela chegada da patrulha.

��~

Sete Regiões A lenda dos DragõesWhere stories live. Discover now