Dúvidas

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O lugar adequado que a Senhora Domitéa arranjou foi o mesmo que eu havia ocupado desde a nossa saída do orfanato até a chegada de Anabelle, justamente entre ela e o Mestre Guilherme, seu braço direito na comitiva. Não demorou muito para toda a comitiva estar em movimento, e a nossa era a primeira carroça da comitiva, de onde ainda tive a oportunidade de ver Otávio e a chance de conhecer mais sobre minha mãe ganhar cada vez mais distancia em um cavalo muito veloz.

Fiquei traumatizada com a possibilidade de mais alguém fazer o mesmo que o Hugo, e por essa razão eu não peguei o meu livro. Gostaria muito de compartilhar com Anabelle o acontecido com Otávio, mas se isso significaria olhar para Hugo, conclui que aquele era o melhor lugar que eu poderia estar nesse momento.

A viagem vai seguir até o cair da noite que é guando faremos a última parada antes de chegar ao vilarejo da Torre, o que provavelmente aconteceria até meio dia de amanhã. Eu estava em um misto de ansiedade e nervosismo. Passei tanto tempo pensando o quanto eu gostaria de chegar rápido ao meu destino, que só agora percebi que eu não fazia ideia de como realmente funcionava a rotina durante o período em que nós seríamos hospedes do Mestre da Torre.

Fazer qualquer tipo de pergunta sobre o nosso futuro como residentes da Torre a Senhora Domitéa nessa altura da viagem só revelaria o quanto eu estive desatenta durante a minha longa estadia no orfanato, nesse caso só me sobrou o silêncio. O silêncio e as dúvidas.

Otávio já havia sumido de vista há algum tempo, eu já estava entediada. Nem os detalhes da patrulha me prenderam a atenção, estava tudo igual, na mais longa monotonia. Os soldados a nossa volta cavalgavam em silencio, a senhora Domitéa bordava um delicado lenço esticado em um pequeno bastidor apreciando a suave melodia da canção que o Mestre Guilherme assoviava por todo o percurso.

Desde que partimos do acampamento nada havia mudado, permanecíamos em uma longa estrada reta e esburacada ladeada pela vegetação sem graça, de uma floresta revelava tantos atrativos quanto surpresas, ou seja, nenhuma.

Durante a viagem, decidi que naquela noite teria três objetivos em mente. O primeiro e mais importante, seria o de me manter fora de confusões e cumprir com minhas tarefas com zelo e dedicação. Segundo, tentaria encontrar Mestre Otávio, seria glorioso se ele pudesse acrescentar qualquer coisa sobre a minha mãe já que eu conhecia tão pouco sobre ela. E terceiro, mas não menos importante, faria o possível para me manter afastada de Hugo, nem que isso significasse estar longe de Anabelle.

Quando a tarde caiu, a comitiva começou a se preparar para o ultimo acampamento antes do nosso destino, se desviando da estrada principal, por uma trilha que levava a uma clareira.

Quando chegamos, antes mesmo de começar a distribuir nossas tarefas e preparar o acampamento para a noite, a Senhora Domitéa pediu ao Mestre Guilherme que reunisse todas as crianças pra que ela passasse algumas "recomendações", que era como ela preferia chamar suas ordens,

Junto dela estavam também as outras duas encarregadas, Senhora Thelma, e a Senhora Aluízia. O grupo totalizava dezesseis crianças, as ultimas três que se juntaram a nós, dois meninos e uma menina provinham de casas mistas no meio da viagem do dia. Assim como tinha ocorrido com o Hugo, não houve cerimonias nem parada, apenas a carta. Não reparei neles o suficiente para saber de que Casas eram, mas os meninos estavam conversando com Hugo. Anabelle chegou em seguida, e tentou se aproximar ao máximo para falar comigo, mas não teve oportunidade, pois assim que estavam todos presentes a Senhora Domitéa começou a falar.

— Pretendo ser breve, mas para isso preciso contar com a atenção de todos. Começou ela com a objetividade que me era tão familiar. — A jornada de vocês junto a esta comitiva esta chegando ao fim, e amanhã começaram a trilhar seus próprios caminhos junto aos jovens vindos das outras três comitivas do reino.

Ela começou falando que no momento representávamos as Casas de nossas famílias, a nossas regiões e costumes. Mas que deveríamos ser receptivos e olhar com bons olhos o caminho que nos fosse oferecido. E de que na Torre seríamos apenas os hóspedes do Mestre e que a nossa procedência não seria levada em consideração e que assim só poderíamos nos referir a uma das Doze Casas como nossa depois da indicação do mestre.

Lembrou-nos a forma correta que deveríamos seguir nas apresentações até que fossemos nomeados a uma casa. Isso acabou gerando certo desconforto e pequenas reclamações. Explicou que apesar de poder ser considerado um pouco constrangedor, na Torre não teria escolha a não ser usar a forma correta, então quanto antes começássemos mais fácil seria. E essa forma consistia basicamente em substituir o nome Casa de nossos pais, pela condição que nos trousse à comitiva. Afinal aquela era a casa de nossos pais e não a nossa. Pois até o dia da nomeação éramos considerados habitantes sem Casa.

Aquilo me causou um nó no estomago. Já conhecia a maneira correta, mas ter de admitir o tempo todo e em voz alta que não pertencia à casa da minha mãe me deixava mais desconfortável do que qualquer outra coisa. Comecei a pensar quantos órfãos viriam das outras comitivas, quantas crianças seriamos no total, quantos desses seriam indicados à mesma casa que eu?

— Fiquem atentos as suas obrigações elas lhes ajudaram a ouvir a voz de seus corações. E não duvidem do julgamento do Mestre da Torre. Continuou a Senhora Encarregada.

Eu não queria nem pensar sobre isso. Como uma pessoa poderia saber qual era o destino de tantas outras? Só tinha uma explicação o Mestre da Torre deveria pertencer as Casa dos Magos Brancos. Talvez o cargo fosse destinado apenas aos membros mais poderosos dessa Casa. Ou talvez fosse como a Casa Real, passada de pai para filho. Eu realmente esperava que independente da explicação para o seu dom ele fosse muito bom nisso.

A senhora Domitéa prendeu nossa atenção quando nos disse que nossas tarefas da noite seriam reduzidas, para que tivéssemos algum tempo para refletir sobre nosso futuro.

Ela concluiu nos desejando boa sorte, e nos separando em pequenos grupos sobre o comando dela e das outras duas encarregadas. Os garotos como de costume foram levados pelo mestre Guilherme, que me deixou aliviada. Anabelle ficou junto do grupo da senhora Thelma que era responsável pelo jantar. E eu fui levada pela senhora Domitéa para ajudar a descarregar das carroças o que era necessário para passar a noite.

Sendo assim foi fácil concluir o ultimo objetivo da minha lista. Cumprir as tarefas não foi um problema já que não tinha outra opção com a senhora encarregada estando assim tão perto.

Mas, no que dizia respeito a encontrar o Mestre Otávio, eu estava sendo um completo fracasso. Desde a hora em que em o pequeno sino tocou avisando que seria servido o jantar, ao momento que aguardava na fila para receber a tigela do cozido, devotei toda minha atenção para ver se eu avistava o Oficial em alguma parte do acampamento, mas não tive sucesso. Pelo visto ele era o primeiro a chegar e partir. Desisti das minhas buscas e me sentei próximo à senhora Domitéa, assim como costumava fazer antes da chegada de Anabelle.

O acampamento ficou cada vez mais silencioso. As palavras da senhora Domitéa trouxeram um senso de realidade desagradável a todas as crianças. Não houve conversas ou histórias em frente às fogueiras, e eu não tirei o meu livro da trouxa. Todos se recolheram cedo.

Gostaria de saber a opinião dos meus leitores, o que estão achando?

E desculpa pelo atraso na postagem....

Sete Regiões A lenda dos DragõesWhere stories live. Discover now