Apresentações

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  No acampamento todos estavam envolvidos com alguma tarefa, os adultos liderando, indicavam aos mais jovens o que podiam fazer para cooperar, alimentar os animais, descascar os legumes para o cozido da janta, limpar a área onde dormiríamos, entre outras coisas de modo que mal prestaram atenção em nós duas. Deixamos os baldes perto da carroça de mantimentos, e nos apresentamos à encarregada que depois de uma grande bronca, disse que por nossa demora, teríamos de nos acordar mais sedo para abastecer o resto do suprimento de água que ficou faltando, e que por hora estávamos livres para fazer o que quisesse enquanto esperávamos que a refeição fosse preparada.

Apesar de a encarregada ter nos liberado, era sempre possível que um adulto determinasse outra tarefa a ser cumprida, a única maneira de evitar isso era ficar o mais fora do alcance que podíamos. Fui até a carroça para apanhar a minha trouxa, depois me juntei a Anabelle que estava sentada em um tronco próximo a uma das varias fogueiras menores, que foram feitas para iluminar o acampamento e manter os animais selvagens afastados.

Anabelle estava pensativa abraçada aos joelhos, com o olhar fixo nas chamas da fogueira. Normalmente não me interfiro nesse tipo de momento solitário das pessoas, mas como disse antes, ela parecia muito triste com essa situação. Ela não era como eu, que passei minha vida toda esperando esse momento para poder seguir o meu caminho. O que para mim era a primeira etapa de uma jornada para qual eu sempre me preparei, para ela era algo assustador e repleto de inseguranças.

Não era boa em começar conversas, mas achei que ela merecia o esforço.

­— No que esta pensando?

Confesso que esse não foi meu momento mais criativo, mas acho que Anabelle reconheceu o meu esforço, porque se virou para mim com seu sorriso tranquilo e com olhos cheios de gratidão.

—No que aquele garoto disse.

Fiquei imaginando a qual das besteiras ela se referia, mas preferi deixar apenas que ela continuasse.

— Confesso que quando me juntei à comitiva, pensei a mesma coisa. Maxine você é a única órfã do acampamento?

Áh, então era essa besteira. Desde que a comitiva partiu do orfanato da Ponta de Baixo do Reino, eu já tinha perdido as contas de quantas vezes eu já tinha explicado isso. Mas, se falar sobre o assunto iria fazer com que Anabelle se sentisse melhor, por que não contar outra vez?

­— Bom, todo ano só os órfãos que já completaram doze anos é que partem com a comitiva, no ano passado a comitiva partiu com um total de dezenove. — Peguei um graveto e comecei a mexer na fogueira, confesso que esse assunto me chateava um pouco­ — Poderia ter vindo junto com eles, se não fosse pela rigidez da Senhora Domitéa, quem liga que eu só completaria doze no outono?

—Entendo.

Acho que do jeito dela, ela entendia mesmo. Mas o que me aborrecia não era ter de vir sozinha, é que se não fosse pela teimosia da Senhora Domitéa, agora eu já teria sido acolhida pela minha casa, estaria começando o meu treinamento, e no máximo em mais dois anos eu já estaria recebendo a minha própria faixa, provavelmente estaria trabalhando como aprendiz ou auxiliar de um grande Contador de História até que me fosse indicado a minha própria missão.

—Se a ideia é apagar o fogo, tenha certeza de que você está fazendo um bom trabalho!

Droga! Qual era o problema desse garoto!

Ele estava escorado em uma arvore a pouco menos de dois metros, e mesmo com a camisa branca eu não o tinha visto, e a julgar pelo pulo de Anabelle, tenho certeza de que não fui a única.

— Há quanto tempo está ai? Eu perguntei.

Ele não tinha menor intenção de me responder, do contrario, ele apenas juntou alguns gravetos de uma pilha que estava ali perto e começou a trabalhar para recuperar a chama que eu tinha arruinado, quando finalmente ficou satisfeito com o seu trabalho ele levantou bateu as roupas para limpar a poeira e olhou para Anabelle como se eu nem estivesse presente e perguntou.

— Ela é sempre assim, mal-humorada?

Ela apenas encolheu os ombros, achando tudo muito divertido. Como se já fossemos amigos de longa data. Eu não ia ser facilmente convencida por aquele sorriso fácil, mantive minha postura e encarei exigindo por minhas explicações. Afinal a senhora Domitéa estava tão chateada com a nossa demora que eu achei melhor não mencionar o garoto. Acho que ele entendeu que eu não estava disposta a participar de seus joguinhos, pois desfez a postura galante e respondeu.

— ­Quem você imaginou que acendeu esta fogueira?

Como nenhuma de nós respondeu, acho que ele entendeu que precisaria de um pouco mais do que apenas isso. Então para a nossa surpresa ele fez uma mesura perfeitamente adequada, da mesma maneira que eu já tinha visto muitos senhores fazerem à senhora encarregada, e como é de se esperar de qualquer cavalheiro faça nessa situação, ele se apresentou.

— Meu nome é Hugo, filho de Tersan da Casa dos Cavaleiros, e estou honrado em conhecer as senhoritas.

Droga, para um garoto completamente maluco essa foi uma bela jogada, porque segundo as boas maneiras não nos restava alternativa senão a de nos apresentar também, em certos momentos odeio ter de ser educada, tenho certeza que ele fez isso só para provocar. Vendo a minha relutância, Anabelle se levantou e retribuiu a reverência com tanta graciosidade e precisão que fiquei com uma ponta de ciúmes.

— Sou Anabelle, filha de Mirela da Casa dos Agricultores.

Por causa das chamas da fogueira pude ver perfeitamente o olhar dela indicando que fizesse o mesmo. E muito contra vontade fiz, afinal em breve seria uma contadora de histórias e ser educada é o que se espera de um Especialista mesmo com alguém que não mereça. Mas ao oposto de Anabelle, não me esforcei em um movimento gracioso e num gesto simples e rápido que teria matado a Senhora Domitea de vergonha, me apresentei.

— Meu nome é Maxine, filha de Isadora da Casa dos especialistas.

Confesso que agradeci intimamente pelo costume que determina que nas apresentações os homens devam apresentar o nome de seu pai, e as mulheres só o das mães, pois senão eu estaria em mais um daqueles momentos constrangedores que só eu consigo me meter.

Satisfeito com o que ele conseguiu, Hugo fez mais um gesto galante nos convidando a sentar, que foi rapidamente aceito por Anabelle, que continuou como se estivesse participando de uma agradável conversa entre amigos. Fiquei chocada ao perceber que Anabelle não só tinha gostado da atitude do garoto como também aceito a ideia e passou a agir de maneira semelhante. Acho que a loucura do garoto era contagiosa, eu não estava acostumada a um comportamento tão caótico. Assim como ele fez na floresta, ele conduzia a conversa da maneira que ele bem entendia. Agora ele não era o moleque arrogante, e sim um educado cavalheiro conduzindo uma animada conversa, pois sim!


Desculpa, me controlo, mas sempre saem capítulos grandes...

BeijoKas, Não se esqueçam de votar ...   

Sete Regiões A lenda dos DragõesWhere stories live. Discover now