Hugo

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Caminhando ao lado de Anabelle, comecei a pensar que não devia ser tarefa fácil determinar o espirito de uma pessoa, porque enquanto eu tinha de me preocupar onde pisar para não tropeçar e cair, ela seguia o caminho com a mesma leveza e desenvoltura que o fazia na estrada, quase sem fazer ruídos. Certa vez ouvi que essa era uma qualidade comum entre os membros da Casa dos Arqueiros, e indispensável aos que fossem acolhidos pela Casa dos Sorrateiros, já que a atividade mais famosa entre eles era a da espionagem, mas apesar desse talento evidente em Anabelle, eu não conseguia imaginá-la em nenhuma das duas Casas, e considerando que as únicas atividades dos Mestres de Oficio que eu já conheci estão relacionadas ao orfanato, também não entendi como ela poderia achar que tem tendências a essa casa.

Quando chegamos à margem do riacho, entendi a pressa da Senhora Domitéa, o sol estava caindo e logo seria noite. Não tinha percebido por quanto tempo tinha passado escrevendo em meu livro, na verdade como isso é o que mais gosto de fazer em toda a minha vida, tenho de admitir que com frequência perco a noção do tempo. Então era bom que terminássemos nossa tarefa o mais rápido possível para compensar.

Ajoelhamo-nos e com cuidado começamos a encher os baldes com água limpa.

- Nunca pensei que houvesse tão poucos órfãos na Ponta de Baixo do Reino!

Se não fosse por Anabelle me segurar, eu teria caído de cabeça dentro d'água, tamanho o susto que eu levei. Ela me ajudou a tirar o balde do riacho e nos viramos para encarar o garoto que tinha nos assustado. Será que só eu não sabia caminhar sem fazer barulho, ou assustar as pessoas era um tipo de tradição durante as viagens?

- Não é educado chegar dessa maneira, repreendeu Anabelle enquanto arrumava o seu vestido marrom. - Podíamos cair na água!

- Isso, eu percebi.

O garroto parecia estar se divertindo com aquela situação. Ele tinha mais ou menos a mesma altura de Anabelle, o que perto de mim era muito alto, mas com certeza não tinha a mesma idade dela, provavelmente tinha a mesma idade que eu. Ele vestia roupas simples nos tons de azul escuro e branco, o que me fez entender que ele pertencia a uma casa mista. O branco todos sabe que pertence à Casa dos Magos, mas eu não me lembro que Casa a cor azul representa. Sempre me confundo com as cores das Doze Casas.

- Bom, a culpa por ter de vir resgatá-las, é de vocês!

Como assim resgatá-las? Quem aquele garoto estava pensando que era parado com as mãos na cintura como se fosse um herói saído de uma canção?

- Vamos, podem me passar os baldes, a encarregada ficou preocupada com a demora, e eu como o mais qualificado para a situação, vim para oferecer os meus préstimos.

Ora quanta bobagem! O que aquele moleque estava pensando? Peguei o meu balde e segui o caminho de volta sem sequer olha-lo. "Me resgatar"? Pois, sim! Todos sabem que os contadores de historias têm de saber se defender sozinhos porque enfrentam muitos perigos em nome da verdade! E eu sou uma Contadora de Histórias, não preciso ser "resgatada"!

- Ei, baixinha? Onde vai?

- O que esperava?

Anabelle o repreendeu novamente, enquanto se colocava ao meu lado, rumo ao acampamento carregando com dificuldade o seu próprio balde. O garoto estupido começou a nos seguir, resmungado como nossa atitude era desapropriada e que não era assim que se tratava um futuro Cavaleiro, e outras tantas coisa sobre nossa ingratidão não ser perdoada assim tão facilmente! Cavaleiro? Pois, sim! O moleque falava como se já tivesse sido acolhido, e se ele estava nessa comitiva é porque não tinha sido! Pelo menos agora sei da onde é a cor azul escura.

"Cavaleiro"? Pois sim!

Tudo bem, eu sei que às vezes faço algo parecido, mas se eu não fosse órfã eu já pertenceria à Casa da minha mãe, o que era totalmente diferente da situação daquele garoto! Ele obviamente pertencia a uma casa mista, mas para ter se juntado a nossa comitiva e não pertencer a um orfanato deixava claro que não tinha demonstrado aptidões adequadas a nenhum dos lados a sua família, embora estivesse tentando mostrar o contrario.

- Maxine, espere, não consigo lhe acompanhar. Bufou Anabelle - Vamos descansar só um pouquinho?

Fiquei tão indignada com a atitude daquele garoto que nem pensei em parar, se Anabelle não tivesse falado acho que eu não perceberia que eu também já estava pondo os pulmões para fora com o esforço. Ela estava suada e pálida, parecia que ia desmaiar a qualquer momento. Largamos os baldes e nos sentamos na relva para recuperar o folego. Quanto mais tempo ficava ao lado dela mais eu entendia as razões de Anabelle não conseguir permanecer na sua casa tradicional, os agricultores tinham grande resistência física, para conseguirem suportar o árduo trabalho da lida do campo, mas a resistência dela era inferior a minha.

Fiquei chocada, a menina estava passando mal, faltava metade do caminho para o acampamento, e ela não estava nada bem. E se ela não melhorasse? Que chatice, nada disso estaria acontecendo se não fosse por culpa de um moleque convencido! Que, por falar nisso, parecia tão preocupado quanto eu.

- Desculpa se as ofendi, não foi minha intenção.

O garoto estava diante de nós, mas o seu divertimento tinha sumido. Ao ver o estado de Anabelle, ele tirou um lenço branco do bolço da calça e molhou com um pouco de água fresca de um dos baldes, se ajoelhou ao lado dela, e com delicadeza o colocou em sua nuca.

- Isso vai fazê-la se sentir melhor. Tem feito muito calor esses dias.

Decidi, que para o bem de Anabelle, era melhor ignorar o garoto. Se ele queria brincar de herói, pois bem, vou ignora-lo até que cheguemos ao acampamento e daí sim, ele teria o que merece, a senhora Domitéa não deixaria isso passar barato.

Juntei-me a Anabelle e ficamos os três ali, sentados, apenas ouvindo os sons da floresta, enquanto a tarde caía e a brisa cálida do verão balançava as folhas das árvores. Aos poucos Anabelle foi recuperando a cor, e o silêncio entre nós, começou a pesar. Tínhamos que voltar para o acampamento, as tarefas esperavam para serem cumpridas e eu mesmo tinha uma porção de coisas para falar àquele garoto. Mas antes que qualquer uma de nós pudesse fazer algo, o garoto em um único movimento já estava em pé, apanhou um balde de cada lado, e com o mesmo ar de herói que tinha feito nas margens do riacho falou.

- Está ficando escuro, devolvo os baldes quando eu cansar. Assim, todos descansam um pouco, certo?

Ele não esperou por respostas, e não me sobrou alternativa senão a de ajudar a Anabelle a levantar, aceitar a ajuda do garoto que parecia muito satisfeito por cumprir sua missão, e seguir o caminho de volta para o acampamento.

Quando faltava menos de cinco metros para chegar à clareira onde estabelecemos o nosso acampamento ele parou, largou os dois grandes baldes no chão, e enquanto secava o suor da testa com as costas da mão disse:

- Tinham razão, esses baldes pesam. Agora se me derem licença, lembrei que preciso ir.

Ãh? Como assim? O garoto só podia ser doido, porque ele de novo não esperou resposta, e saiu correndo de volta para a floresta, tenho certeza de que nem sequer ouviu o agradecimento de Anabelle. Isso só podia ter uma explicação, a Senhora Domitéa não o tinha enviado para nos ajudar. Na verdade eu nem me lembrava de quando ele tinha se juntado a nossa comitiva!

Sério foi tudo muito estranho e se já não estivéssemos muito atrasadas, eu teria buscado algumas respostas com aquele moleque, pois sim se não teria!

Atrasinho básico, me perdoem!

Estou amando compartilhar a jornada da Max com Vocês!

Espero que também estejam gostando, a opinião de vocês é muito importante para mim!

Beijokas!

Sete Regiões A lenda dos DragõesWhere stories live. Discover now