Capítulo 16

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Passei a tarde no parque pensando um monte de coisas para me exterminar, mas não me exterminei. A única coisa que comi foi um pão de queijo ruim, e bebi uma garrafa de água. Dinheiro eu tenho, mas fome e sede não.

Agora estou eu mais uma vez dentro de ônibus, enquanto a lata se movimenta, as pessoas são chacoalhadas para os lados, minha cabeça acompanha o ritmo. Hora desastrosa de voltar para casa dos meus pais e enfrentar o interrogatório, ainda mais porque não atendi as infinitas de ligações. Tem hora que é preciso fazer falta.

— Aí. Até que enfim você apareceu. Onde se meteu Jéss? – Marcos me ataca grosseiro assim que entro pelo portão. 

— Ei, ei, ei! Espera aí, não sou seu capacho pra você tratar como quiser – paro-o antes que piorasse a situação. — Eu estava dando uma volta.

— Não, diga exatamente onde estava. Quer matar nossos pais do coração? – fala com braveza.

— Essa pergunta já foi respondida, e antes que comece os sermões, muito obrigada pela vasta preocupação – digo levantando a mão em um aceno. Passo direto e subo para meu quarto.

— Que isso Jéssica, você está estranha. O que aconteceu com você? – ele me segue pela casa.

— Não tem nada de estranho acontecendo, eu estou muito bem. Agora da pra sair e fechar a merda da porta? – minha voz elevou o tom, eu desviava os meus olhos dos dele o tempo todo. Virei de costas e esperei que ele saísse.

— O papai quer falar com você – ele disse depois do silêncio.

— Diga pra esperar, eu estou cansada.

— Não faça isso – sussurrou tentando se aproximar.

— Vai pro inferno.

Mandei antes de bater a porta com força, tranca-la com a chave, e arrastar a cômoda pra frente da mesma. Despi-me e entrei no banheiro, deixei que a água lavasse toda extensão do meu corpo.

Agora qual é a dele? Ignora-me completamente e depois quer satisfação? Oh céus, me dê paciência!

Enxugo-me, visto uma sai de malha curta e uma blusinha de alças. Essa não é minha verdadeira vestimenta, mas quer saber, que se exploda! Sai do banheiro dando de cara com a mulher que diz ser minha mãe. Reviro os olhos e bufo.

— Onde você estava? – seu tom áspero nem me assusta mais.

— Parque ecológico.

— Os meninos foram lá e não te viram, fala a verdade.

— Não existe só uma Maria na terra, não é mesmo? – olho pra ela e dou de ombros.

Eu estava disposta a continuar respondendo com monossílabos e ironia. Era assim que ela me trava quando eu queria chamar sua atenção.

— Será que dá pra falar direito? É bom que você se coloque no seu lugar, a mãe aqui sou eu – diz batendo na cômoda. Começou...

— É mesmo?

— Não me faça perder a paciência, Jéssica eu estou por um trisco – ela diz entre os dentes, eu estava a irritando. Que legal! Ignorei sua presença e comecei a arrumar algumas coisas que estava fora do lugar. — Por que não avisou que estava saindo?

Peguei as roupas que estavam em minhas mãos e joguei na cama, quase encima dela.

— POR QUE EU DEVERIA AVISAR? EM? EU QUERO QUE VOCÊ ME DÊ UM MOTIVO PLAUSIVEL, PORQUE EU VIVO TENTANDO TE DIZER AS COISAS E VOCÊ ME IGNORA. ENTÃO ME DIGA VOCÊ QUAL É A SUA.

Foi um grito daqueles que você solta quando já não está mais aguentando algo, ou alguém. Ela estendeu a mão e deu um tapa, era pra acertar meu rosto, porém fui mais rápida e abaixei.

— Volta pra sua família feliz e perfeita e me deixa em paz. Não é assim que você gosta que eu fique? Eu vou manter distância de você.

— CALA BOCA! — ordena. — SABE O QUANTO FICAMOS PREOCUPADOS? EU NÃO SEI MAIS O QUE FAZER COM VOCÊ SUA MAL CRIADA, SE ACHA DONA DO SEU NARIZ É? ESTÁVAMOS PENSANDO EM FAZER MAIS POR VOCÊ, MAS AGORA JÁ ERA. VOCÊ NÃO MERECE!

— SOU MAL CRIADA MESMO, INCLUSIVE FOI VOCÊ QUEM CRIOU. SUA INÚTIL!

Ela saiu e bateu a porta com força. Prontinho, ela disse o que queria e nada mudou, não quero nada dela mais, nem atenção. Eu só queria que ela se importasse, ou sei lá, esperava uma relação saudável de mãe e filho. Agora eu me pergunto como eu pude acreditar que isso fosse acontecer comigo? 

Que droga! Não adianta eu me convencer, me iludi esperando um abraço, depois me deitar em seu colo enquanto conto o que aconteceu. Esperava receber um cafuné, depois ouvir sua voz dizendo que tudo ficaria bem. Mas isso nunca iria acontecer, aquela mulher não seria capaz de fazer algo tão bom como isso, aquela megera não faria isso. Eu sei que não sou fácil, e todos os dias dou todo meu tempo para provoca-la, porém tudo que eu queria ao contrário disso era um minuto de atenção para ao menos poder dizer que talvez eu sinta muito por tudo.

Dou um soco na parede que faz minha mão doer, pulsar e sangrar. Tento trancar a porta com duas voltas dessa vez, e saiu pra sacada. Ligo o celular, fones de ouvido, play na música “Foreigner” Ledger e me deixou ser consumida pela raiva e vários “por quês”. Não importo com a letra da música, só quero que o bagulho defina minha bagunça mental.

🌙

Depois de rolar na cama para todos os lados procurando o sono, batidas na porta me desperta.

— Tá ocupado! – grito e enfio a cabeça debaixo do travesseiro.

— Óbvio! Eu quero falar com você.

É o Tiago, de novo.

— Ok! Eu não quero falar com você.

— Não seja tão chata irmãzinha.

Entre ficar ouvindo pater na porta e ouvindo a voz chata pedido pra abrir, eu prefiro deixá-lo​ entrar de uma vez. Destravo a porta e deito de barriga pra baixo, escondendo meu rosto.

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