Penumbra.

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Luz.

Fresta.

Um assobio e um fiapo de vento passando por debaixo da porta.

Sombra.

O vento parou, a respiração de Lucy também e ela queria gritar, gritar ao ponto de seus gritos rasgarem as amarras que seguravam seus pulsos como um adulto segura uma criança quando a mesma faz birra.

Firme.

Coçava, mas não o fazia de fato.

Kloe apareceu pela porta e a garota esperneando na cama observou seus fios de cabelo presos como ela, e questionou se a enfermeira iria solta-los mesmo que a norma da clínica fosse que os conservassem presos.

Flyn abanou o rabo de cavalo, mas permaneceu de costas apertando a maçaneta da porta junto com os olhos. A enfermeira não queria olhar para a menina assim, não queria ver seu rosto vermelho de raiva ou o rastro de lágrimas que ela teria como rugas nos cantos dos olhos, mas quando virou o rosto a face da menina continuava impassível, ao contrário de seu corpo. Seus calcanhares arranhavam o lençol deixando vincos, seus punhos estavam ficando roxos não pelas amarras estarem apertadas, mas pela menina puxar. Quando Kloe levou os dedos às bochechas, percebeu que era seu rosto que estava vermelho de raiva e úmido em rastros de lágrimas que se acumulavam nos cantos dos olhos.

— As amarras são para você se sentir segura. É para proteger você de si mesma, Lucy.

— Não! — seu grito era rouco, a menina estava exasperada. — É para proteger vocês de mim! Não é para eu me sentir segura, mas para vocês se sentirem seguros!

A rispidez em cada ''vocês'' pronunciada... Lucy falou como a inclusão de Kloe em um grupo de pessoas.

Um grupo de pessoas iguais.

Kloe não era igual às outras pessoas. Ela a decepcionou?

Um grupo de pessoas que...

Agora foi a respiração da enfermeira que estagnou. Como se um adulto estivesse colocando as mãos em volta de seu pescoço e apertando sua glote.

Firme.

Coçava, mas não o fazia de fato.

Suas mãos também estavam atadas.

Flyn engatou um passo, aproximando-se da cama querendo tocar a menina como ela a tocava.

— O que aconteceu, Lucy? — as costas de sua mão delinearam a lateral do rosto da garota, sua pele branca aquecendo com o afeto.

Seus olhos escuros se focaram na enfermeira questionando sua fidelidade. Dank queria alguma pista, algum sinal do por que Kloe se importava, sendo que nem sua família estava ali, mas ela estava.

— Eu... — vergonha. Tentou puxar uma mão ao rosto. — As vozes, eu, eu só... — estava frustrada, envergonhada, se sentia exposta na cama sem poder se mexer; músculos, veias, tendões e depois pele. Virou o rosto bruscamente o máximo possível para o colchão, mordendo a boca. — Por que todos os outros órgãos do nosso corpo podem adoecer e obter compaixão, exceto o nosso cérebro?

Longos minutos se passaram, a enfermeira abrindo e fechando a boca sem ter o que falar, atada. Sua mão pairava sobre o ombro de Dank temendo que se a tocasse ela poderia se esvair entre seus dedos.

Quando a garota virou o rosto novamente percebendo que a maior nada falaria, revelou:

─ Eu só queria abrir um buraco em minha cabeça e bota-las para fora.

O vento voltou.

As respirações pararam.

Os corações palpitaram.

Os fios de cobre do cabelo da enfermeira de repente apertados demais, o elástico que antes os prendiam, agora em seu pescoço.

A EsquizofrênicaWhere stories live. Discover now