Minha prisão.

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Número 144.

Esse é o número do quarto da paciente Lucy Dank.

Uma enfermeira da qual Lucy não se interessava em perguntar o nome entrou pelo quarto vazio com uma bandeja metálica nas mãos.

— Seus remédios. — a enfermeira anunciou, mantendo distancia da menina amarrada na cama que continuava imóvel olhando para o teto branco assim como todo o quarto.

A garota de cabelos pretos ainda não protestou. Ainda.

Quando a mulher toda vestida de branco ia colocar os comprimidos na boca da paciente, se sobressaltou a vê-la virar o rosto e fita-la com seus olhos castanhos.

— Para que isso? — soprou.

— Para você tomar. — ops. Resposta errada.

Kloe Flyn, a enfermeira novata, não deveria usar sarcasmo para lidar com Lucy.

— Eu não preciso disso. — virou o rosto voltando a fitar o teto. — Estou aqui há anos e isso nunca resolveu, por que acha que resolverá agora? — perguntou. A raiva subindo por suas veias e inflando sua jugular.

— O doutor Kondor falou que... — Kloe estava assustada, não sabia como lidar com Dank.

Todos já ouviram falar sobre Lucy Dank, a esquizofrênica. 10 anos na clínica, sem visitas de parentes, doença em estágio avançado. Rica.

Sim, rica. É óbvio! Ela está em uma das clínicas mais caras do país por 10 anos!

Boatos dizem que seus familiares têm medo da garota, por isso a mesma nunca recebe visitas. Aos seis anos foi colocada aqui e nunca mais foi tirada, apenas dinheiro é enviado para pagar o local.

Doutor Kondor é o médico que atende a menina, o mesmo não compartilha muitas informações sobre a família da garota e muito menos colabora para os fuxicos que correm por ai. A menina tem esquizofrenia, isso já basta; ela não precisa ter mais motivos para chacota ou pena mais do que já tem.

O médico visita semanalmente Lucy e receita remédios diários para a garota. Não existe cura para a esquizofrenia, mas existe tratamento, no caso de Dank por meios de medicamentos para evitar novas crises e diminuir as mesmas. Mas não é só isso, a garota também tem tratamento psicossocial semanalmente, uma tentativa de reintegrá-la á sociedade e a família. E como dá para supor, é inútil. Lucy é indivisível! As pessoas têm medo dela por suas crises e pela doença em si. E sua família... Céus! Isso eu nem preciso comentar.

— Eu não vou tomar isso! — gritou, fechando os punhos e forçando as amarras para cima. — Eu não vou tomar isso! — gritou novamente, arqueando as costas e cravando suas pequenas unhas nas palmas das mãos, fazendo sua jugular saltar. — Eu não vou tomar isso! — gritou, rasgando sua garganta assim como seu coração.

Era inútil tentar arrancar as amarras que lhe prendiam os antebraços assim como era inútil se recusar a tomar os comprimidos.

Kloe Flyn se desesperou, correndo para a porta de saída enquanto Dank ainda gritava na cama se arqueando em outra crise. Gritou pela ajuda dos paramédicos e logo quatro homens vestidos de branco trataram de segurar a garota que se debatia.

Um dos homens tirou uma seringa o bolso do jaleco e em um ato rápido enfiou a agulha no braço da garota bonita que se debatia. Segundos depois de mais agonia a menina de cabelos pretos se acalmou, arfando frequentemente como se tivesse corrido 100 quilômetros. Deitou-se corretamente na cama e destravou suas mãos que estavam fechadas, as abrindo, mostrando as mesmas ensanguentadas por te-la cravado as unhas.

Kloe suspirou aliviada, e depois que os paramédicos saíram colocou os comprimidos na boca de Lucy e deu água a mesma. Ela engoliu, calmamente, sem nenhum protesto dessa vez.

— Lucy. — a enfermeira sussurrou. — Eu vou cuidar de você. — Flyn chorava. Alisou os cabelos da menina e olhou para seus olhos impassíveis que fitavam o teto.

Ela sabia que a menina não fazia por mal, e mesmo sendo novata nessa clinica apaixonara-se por Lucy assim como o doutor Kondor. Diferente de outras enfermeiras, ela não iria desistir e pedir para mudar de paciente, iria cuidar de Lucy como nenhuma outra pessoa fez.

Dank franziu o cenho e olhou para a saída do quarto, acompanhando Flyn até a mesma fechar a porta. Ver a enfermeira chorando a fez pensar: ''Talvez ela só vá cuidar do meu sangramento. ''.

Fechou os olhos e forçou novamente as amarras.

Como ela queria sair dali, poder se abraçar e chorar por ninguém visitá-la como fazia quando era mais nova; mas agora suas mãos estão presas, o estágio da sua doença se agravou e como um dos sintomas da sua doença ela teve alteração de afetividade; ver Kloe chorando a fez refletir sobre isso.

Ela queria chorar!

Queria ter algum sentimento pela enfermeira, amizade talvez.

Mas não.

Por que ela é a esquizofrênica.

A EsquizofrênicaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora