Minha nova dor.

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Um mês antes...

O homem de terno está sentado atrás de sua mesa revendo as papeladas do trabalho em sua imponente mesa quando a secretária aparece na porta.

— Senhor Fletcher. — começou. — Uma carta endereçada ao senhor. — avisou, e com um aceno de cabeça a carta totalmente branca com apenas o nome do destinatário foi deixada na mesa de vidro.

"Querido Gale Fletcher,

Ainda não posso lhe falar quem sou, mas posso lhe dizer uma coisa que descobrir. Não se preocupe, não serei eu que lhe cobrarei pela informação que irei compartilhar com você que há anos minha filha compartilhou comigo. Agora sabe quem sou, não é mesmo? Eu sou a mulher que era para ser sua sogra caso minha filha Suze não decidisse fugir de você quando engravidou. Ela lhe contou isso? Contou, não é mesmo? É, eu sei. E sei também que isso aconteceu há 16 anos, a idade que sua filha tem hoje, e que quando ela foi lhe dar a notícia da gravidez você a enxotou como um vira lata, acusando-a de oportunista. Já lhe contaram que nem tudo roda em torno de você e do seu dinheiro? Pois bem, agora eu estou dizendo, e estou dizendo também que existe sim, uma pessoa que verdadeiramente era para ter as coisas rodando ao redor dela ao invés do seu dinheiro estúpido. O nome dela é Lucy Dank, tem 16 anos e desde aos seis está em uma clínica de reabilitação. Choquei você? Desculpe, mas essa parte ainda não é a pior. Suze morreu, e agora sou eu que estou morrendo. Estou com câncer, Sr. Fletcher; e não posso mais ter o luxo de contar com a sorte de viver um dia após o outro. Por isso essa carta. Lucy não tem mais ninguém, e quando eu morrer ela terá que sair da clínica já que não irá mais ter quem pague a mesma. Eu espero que dessa vez você acredite, já que não acreditou em minha filha quando pôde. Se quiser confirmar se é verdade, que realmente você tem uma filha e que ela está em uma clínica de reabilitação, veja o anexo dessa carta e ligue para o lugar onde ela está. Fale com o Dr. Kondor, ele é o médico que cuidou de Lucy todos esses anos. Mas eu peço, por favor, acredite. Todos os documentos necessários estão anexos nessa carta para provar a verdade, e caso queira você assuma a responsabilidade de minha neta, por que infelizmente eu não posso mais. Caso você veja ou fale com Lucy, diga-a que eu a amo muito e me arrependo de nunca ter a visitado por ter medo de me machucar pela morte de Suze, pois Lucy lembra-me muito minha filha. Mas afinal, foi eu que acabei machucando-a como nunca quis fazer.

Com amor,

A avó da sua filha."

— Calma, está tudo bem. — Kloe repetia pela milésima vez para a menina de cabelos pretos com os pulsos amarrados a cama e os calcanhares também. — Eu não vou lhe machucar. — murmurou ao notar o olhar amedrontado da menina.

Lucy voltou o olhar para o teto e lá se fixou, entrando em seu mundinho e se trancando lá. Quando ia fechar o cadeado de seu mundo particular, sentiu a enfermeira desatar as amarras de seus braços. A menina colocou a cabeça para fora da porta para espiar Kloe terminar de livrar suas pernas.

— Está tudo bem, ok? — seu sorriso puxou a menina para a realidade. — Eu não tenho medo de você e você também não deve ter medo de mim.

Mas esse não era o problema. Dank não estava com medo de Kloe, mas sim dela mesma!

— Comporte-se, tudo bem? Eu não quero ter que me arrepender de ter lhe soltado. — E deu as costas, saindo pela porta.

Enquanto continuava deitada, porém solta, a garota tentou descartar todos os pensamentos relacionados ao dia de hoje que resolveram infernizar sua mente. Esse é o problema de se ligar a realidade: ter que lidar com todos os pensamentos e emoções a todo e em qualquer momento, e verdadeiramente Lucy não entende o porquê das pessoas ligarem tanto e dar tanta importância de estar ou não ligada ao mundo real.

É um saco.

Essa é a real!

— Seus remédios. A doutora Jennifer, sua psiquiatra, mandou eu lhe dar. Ela não poderá lhe ver, pois ocorreu um imprevisto.

A garota deu de ombros. Só não se passava pela sua cabeça que esse imprevisto se chamava Gale Fletcher, que resolveu ocupar todo o tempo da médica em um interrogatório de como ficou sua filha durante todo esse tempo.

Enquanto Dank engolia todos os comprimidos, a enfermeira continuou:

— Você ainda poderá ver o pôr do sol que todos sabemos que todo santo dia você observa, mas você só poderá sair depois de comer algo, ok?

E foi ai que Lucy estranhou.

Kloe estava indiferente. Sabe aquela sensação que você está sobrando? Que você é só mais um peso extra e um assunto inacabado? Pois é... Era exatamente isso que a garota de cabelos negros estava sentindo.

— Você está sendo indiferente comigo? — perguntou inclinando a cabeça.

— Lógico que não. — virou o rosto e caminhou até o sofá ouvindo pés descalços batendo no chão atrás de si, e soube que a menina a seguiu.

— Eu estou magoada, tudo bem? — virou-se, encarando a confusão de Dank. — Ora! — bateu na coxa. — Você chega desacordada, sobre um ombro de um brutamonte. — ela falava alto e rápido, indo e vindo, de um lado para o outro, tudo isso olhando para o chão. — Por que é, eu não posso chamar aquilo de paramédico. Isso tudo depois de você ter gritado, por que todo mundo deve ter ouvido seus gritos. E depois deles terem praticamente lhe jogado na cama e amarrado você. — ofegou, acabando. — Lucy, pelo amor de Deus, o que deu em você? Por que eu exijo explicações depois de você ter feito eu me preocupar tanto com você!

A enfermeira engoliu em seco ao perceber que falou demais, mas com tempo suficiente de evitar dizer que chorara enquanto Lucy continuava desacordada na cama, morrendo de preocupação e blasfemando com a esquizofrenia que estava escorada na porta com os braços cruzados diante do peito, carregando um sorriso de satisfação nos lábios.

A enfermeira não devia exigir nada, não devia preocupar-se com a menina, não devia ter chorado.

Não devia ter se apegado...

— O que deu em mim?

— É, por que gritou daquele jeito? — perguntou sentando-se no sofá. — Você estava com Kondor, não estava?

— Sim, eu estava. Mas não estava só com ele.

A boca da enfermeira formou uma vogal.

— Estava com mais quem?

Lucy soltou um longo suspiro. Era inútil ficar irritada com a mulher acobreada.

— Eu estava com meu pai, Kloe.

E foi ai que a maior se ligou de tudo. Mas o mais irônico é que dizem que somente quem vive na vida real se liga em tudo... Muito pelo contrário! Quem vive na vida real é mais alienado do que quem é julgado como louco.

Também, por que acham que a pessoa enlouqueceu?

Tão sábio é o louco, que deixou as pessoas acharem que ele enlouqueceu.

A EsquizofrênicaOnde histórias criam vida. Descubra agora