Meu mundinho

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Os cabelos negros ricocheteavam o ar quando saiu enfurecida da sala com cheiro de lavanda; Lucy apressou o passo em direção ao jardim. Ainda não era tarde e se tivesse sorte chegaria um pouco antes do sol se pôr.

Muitos não sabem, quer dizer, ninguém sabe, mas o fato de Dank gostar desse fenômeno natural que ocorre todos os dias antes do entardecer não é apenas prestigio a bela paisagem, mas também prestigio a algo que acontece por dentro, dentro dela.

Sentou-se escorada em uma árvore e olhou para o horizonte esperando algo acontecer que possa acompanhar o que acontece dentro de si.

Nos primeiros dias que passou na reabilitação, sentava-se para observar o sol se pondo e falava ''Tchau'' toda vez que a grande bola de fogo ia embora. O ato se repetiu todo santo dia, mas agora sem a despedida. Decidira que a partir do dia que sua mãe deixara de lhe visitar nunca mais se despedir de ninguém. E verdadeiramente Lucy nunca mais se despediu, por que afinal de contas nunca mais permitiu se apegar a ninguém.

— Você está me seguindo? — o garoto perguntou chegando perto da menina que estava escorada na árvore, fazendo-a desviar o olhar do horizonte para fita-lo.

— Você enlouqueceu? — franziu o cenho.

A face do menino enrijeceu-se.

— Por quê? Qual o problema de enlouquecer? — extravasou. — Você devia parar. — bufou, balançando a cabeça e sentando no gramado na frente da menina.

Dank suspirou encostando a cabeça no tronco da árvore e com isso desviando o olhar do menino. Enquanto olhava o tom alaranjado que começava a tingir o céu, Frankie continuava observando seu rosto.

— Parar com o que? — soprou, sentindo os últimos raios de sol atingirem em cheio seu coração, fazendo-o entrar em chamas.

Oh.

— Parar. — deu de ombros.

A garota de cabelos escuros o olhou e seus olhares se encontraram. Ah.

Nas pupilas esverdeadas de seus olhos estava escrito: Pare.

Lucy desviou o olhar, porém Frankie continuou admirando-a.

A garota estava tão linda! Seus cabelos pretos levemente ondulados emolduravam-na o rosto e pareciam capturar os raios de sol, os enrolando, brilhando, refletindo o pôr do sol. Seus olhos escuros estavam castanhos claros, vidrados no fiapo de sol que ainda restava; os espelhos de sua alma, os refletores de sua tristeza. Sua pele branca era terna, a mesma acariciava os olhos de Frankie que agora se encontravam varrendo-a com os mesmos. Seus lábios secos eram chamativos, porém estavam descansando um sob o outro, cansados de sibilar pedidos de socorro e gritar para alguém abrir a porta que a trancava em um quartinho escuro que fora jogada pela doença. A garota estava dura, parecia morta. Mas dentro dela algo estava bem vivo.

Gritando.

Chorando.

Chamando pelo pai.

Frankie se levantou ainda olhando para menina.

— Desculpe.

A esquizofrênica olhou para o menino que parecia ler sua alma. Oh.

— Não. — entreabriu os lábios pesados, quase tendo que fazer esforço para realizar tal coisa. — Fica.

— Por quê?

— Por que eu estou enlouquecendo. — seus olhos estavam lubrificados.

O sol se foi e suas lágrimas chegaram.

Em silêncio Frankie sentou-se no lado da menina, sem toca-la fisicamente, mas ansiando isso.

— Estão dizendo que sou louca. — depois de longos minutos sussurrou no ouvido do garoto como se estivesse lhe confidenciando o maior segredo do mundo. Como fizera com sua mãe.

O menino sorriu.

— Estão dizendo que sou louco. — repetiu o gesto.

Segundos.

Minutos.

Seus olhares confidentes e complacentes segurando um ao outro.

Por fim Lucy olhou para o horizonte, o céu alaranjado, e sibilou:

— Tchau.

A EsquizofrênicaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora