Minha surpresa.

5.8K 665 83
                                    

Lucy pediu gentilmente ao seu coração para se aquietar, suas veias servirem apenas como canal de sangue e não de ferrugem, mas nada adiantava.

Dank continuava correndo com o coração na mão.

Seus cabelos chicoteando vento.

Suas veias enferrujando.

Seus joelhos rangendo como portas velhas quando abertas.

Seus tímpanos se contraindo a cada passo dado.

E ela resolveu parar.

E gritar.

Com os joelhos flexionados e as mãos nas orelhas a garota concretizou o desejo da sua alma, e gritou.

Sua pele pinicando pelas gramas recém-aparadas, seus calcanhares queimando por correr descalça; os pulsos nas orelhas, pressionando, os batimentos nos tímpanos.

Pouco tempo depois dois paramédicos vieram socorrê-la e levaram-na para o quarto enquanto a menina ainda gritava. Enquanto colocavam Dank na cama e amarravam-na, Kloe entrou correndo pela porta e logo procurou por Lucy; a menina por sua vez, mantinha os olhos fechados e a boca aberta, esperneando.

— Não aplique isso nela! — a enfermeira exclamou detendo um dos paramédicos.

Ele olhou-a como se fosse de outro mundo. O que ela queria? Ir contra os métodos dos paramédicos de acalmar os pacientes?

— Deixe que eu aplico. — estendeu a mão, suspirando. Depois de um minuto de hesitação os paramédicos se retiram depois de amarrar à esquizofrênica e deixar uma seringa na mão da enfermeira.

Flyn respirou fundo e caminhou até a menina que continuava agonizando, chutando o ar inutilmente e criando vincos na cama com os calcanhares. A enfermeira acariciou a bochecha quente de Lucy e esperou pacientemente a mesma se acalmar. Sentiu a respiração descompassar, os joelhos se cansarem de chutar, os pés relaxarem mesmo as bochechas mantendo a coloração avermelhada.

Ela desejava tomar aquela injeção, ela precisava, Lucy gritara para isso!

— Aplique em mim. — falou ríspida, olhando impassível para o teto.

— Por quê?

— Aplique em mim.

E Kloe aplicou sem dó.

Dank queria, desejava, mas não precisava, e ambas sabiam disso.

— Por quê? — sussurrou acariciando os cabelos de Lucy.

Mas a menina não respondeu, pois já havia adormecido, e agradeceu por isso.

Quando abriu os olhos havia um sofá bege no canto do quarto e a mulher de cabelos acobreados estava sentada nele. Estranhou, por que não devia ter nenhum móvel no quarto já que Dank não havia solicitado.

Ao ver a menina a olhando, a Kloe se levantou do sofá e foi até a cama. ''Kloe Flyn'', a garota leu os dizeres em negrito no crachá que a enfermeira usava pendurado no peito do jaleco.

— Por que tem um sofá aqui? — elevou os olhos.

Kloe deu as costas para a menor para que a mesma pudesse ver que não tinha somente um sofá em seu quarto, mas também um criado mudo com uma garrafa de água em cima e copos plásticos.

— Achei que deveria ser melhor assim.

Apenas isso foi respondido, mas não só isso foi falado. Ela estava com raiva?

Estendeu um copo de água a menina, mas quando Lucy foi tentar estender o braço para pegar o mesmo, foi inútil, seus antebraços ainda estavam amarrados. Com o copo nas mãos, a mulher dona de uma cascata de cobre levou o mesmo até os lábios secos da menina, e sem nenhuma expressão de ambas as partes ela bebeu calmamente, voltando a dormir.

Lucy acordou com Kloe chamando seu nome, suas narinas sugaram o cheiro delicioso de um sanduíche de peru. Umedeceu os lábios e abriu os olhos, devorou o lanche quando percebeu que estava solta na cama ao acordar. A enfermeira a tinha soltado enquanto dormia?

— Kloe.

A mulher sentada no sofá recolheu o prato, mas quando se preparava para sair Dank segurou o pulso. Captando a pergunta muda contida em seus olhos pretos, a enfermeira perguntou:

— Por quê?

Oh!

O motivo da crise?

Mas Lucy não iria falar, não mesmo.

— Se não quer falar... — deu de ombros, mas quando virou em direção a porta à garota soltou.

— Medo. — quando viu a maior olhando-a, continuou: — Eu estava com medo. — o que em certa parte não era mentira. Estava com medo do menino do jardim, mas não entraria em detalhes.

Ele a estava perseguindo?

Por que diabos o garoto estava no jardim quando ninguém deveria estar?

Ele era esquizofrênico também, ou alguém que os médicos colocaram lá como uma espécie de tratamento?

E ele ficava repetindo, repetindo, repetindo...

Depois de mais uma olhadela para a menina sentada na cama, à enfermeira saiu pela porta. Lucy bufou e afundou-se no colchão, mas ao lembrar que estava solta saltou da cama e olhou para o sofá. Parecia confortável. Sonhara com ele enquanto dormia. Aproximou-se do mesmo e passou as pontas dos dedos sobre o tecido macio, aveludado; sentou-se e estranhou a sensação.

Era uma sensação nova.

Ela estava se sentindo... Confortável.

— Gostou? — Kloe perguntou com um sorriso no rosto quando entrava e se sentava ao lado da garota de cabelos brilhosos.

Lucy não respondeu.

— Está incomodada?

Dank balançou a cabeça em negação, olhou para Kloe confortavelmente e analisou o rosto da mulher, porém a enfermeira não conseguiu manter o olhar da menina, logo desviou o olhar e deixou-a observar seu perfil. Lucy não era uma garota má afinal, mas tinha medo de Dank, todos tinham! E isso era o que a dava mais raiva. Kloe era como os outros, ou ao menos, queria ser, então por que estava ali?

A enfermeira se fez a mesma pergunta.

Kloe tinha a vida feita! Não precisava daquilo, mas decidira desde a morte de seus pais que deveria ajudar alguém. Já que sua única irmã a culpava para aliviar a dor da perda, Flyn decidira que não iria mais aguentar aquilo. Depois que presenciara a felicidade da irmã se casando sem ao menos convida-la, virou as costas e arrumou as malas. Deixou suas lágrimas se derramarem ali. Aceitara o emprego de enfermeira em uma clinica de reabilitação — já que antes da morte de seus pais havia mandado o currículo para lá; e decidiu que deixaria as lágrimas para trás. Nunca mais vira sua irmã, e olhando para Lucy a mulher de olhos de fel encontrara quem antes era. Um espelho em uma realidade completamente diferente. Essa era Kloe Flyn, uma esquizofrênica que desejaria ser sedada a enfrentar seus medos. Lucy era sua sedação, afinal, pois com ela poderia enfrentar os medos, os perigos, e se entregar totalmente a eles sem ter medo de nunca mais voltar à realidade, por que no caso, essa é a realidade de Flyn, de Dank, das duas.

— Só fiquei surpresa. — a menina de cabelos pretos revelou depois de muito estudar a maior.

— Com o que?

— Com você.

E voltou para cama, mas dessa vez sem dormir. Pensou em tudo, ou melhor, pensou no menino que vira no jardim, pensou no seu medo, e pensou em como enfrenta-lo.

A EsquizofrênicaDär berättelser lever. Upptäck nu