Após uma espera de meia hora, recheada de dúvidas e medos, fomos chamados e conduzidos à uma sala onde aguardamos a chegada do médico.
O Dr. Stephen Pflugfelder chegou e se apresentou e de cara se mostrou. Sentou-se e leu algumas páginas do meu histórico.
-Oh, você está há quase quinze anos em tratamento aqui. Eu conheço o seu primeiro médico. Estivemos juntos no mês passado num congresso em Chicago. O Dr. Blumenkranz é um excelente médico. O Dr. Clarkson já conversou comigo sobre o seu caso e quero que saiba que você continuará recebendo de mim o mesmo apoio que o Dr. Blumenkranz e o Dr. Clarkson lhe deram durante esses quinze anos.
Eu entendi aquilo como a continuidade na cortesia em relação aos honorários e também na esmerada atenção dispensada a mim até então.
E foi isso mesmo. O Dr. Pflugfelder era o maior especialista em transplante de córnea nos Estados Unidos e aceitou dar sequencia ao meu tratamento e imediatamente iniciou os preparativos para realização do transplante.
Novamente surgia a necessidade de negociar com o hospital as condições de pagamento das despesas hospitalares e também havia o custo da córnea. Diferente do que é feito no Brasil, nos Estados Unidos, as córneas são comercializadas entre os institutos e os hospitais.
Como eu não teria que entrar em fila de espera, poderia ser operado assim que todas as formalidades fossem preenchidas. O hospital verificou que no meu histórico já constavam quatro cirurgias e centenas de consultas. E a funcionária que me entrevistava, perguntou-me qual era a minha disponibilidade econômica naquele momento.
Expliquei-lhe que meus rendimentos estavam restritos a uma aposentadoria que não chegava a trezentos dólares mensais e que atravessava uma fase muito difícil na empresa e não poderia assumir nenhum compromisso para pagamentos futuros com medo de não poder cumpri-los.
A senhora que nos atendia pediu-nos um tempo para analisar o meu caso e marcou para que voltássemos dentro de uma hora. Estávamos apreensivos e temerosos em relação a uma possível resposta negativa por parte do hospital. Quando chegamos e nos sentamos na pequena sala da administradora, ela nos perguntou diretamente.
- De quanto você pode dispor para fazer um depósito que será aceito como uma espécie de doação e que assim quitaria todas as despesas com a sua cirurgia?
Aquela pergunta que, ao mesmo tempo, era também uma generosa oferta, me deixou momentaneamente sem ação. A funcionária percebendo que precisávamos de privacidade, disse que voltaria em seguida e se retirou.
Minha irmã então se aproximou e me disse:
-O que você acha de oferecermos mil dólares.
-Eu não tenho esses mil dólares. Respondi.
-Mas eu tenho uma reserva no banco e posso oferecer esse valor e vamos ver se eles aceitam.
-Ok. Ofereça os mil e vamos ver no que dá.
Logo depois a senhora voltou e Angélica disse que como eu não tinha recursos disponíveis, ela poderia dar mil dólares. Tão surpreendente quanto a pergunta, foi também a aceitação por parte da funcionária. Ela completou que o hospital estava abrindo uma rara exceção por entender que meu caso já havia causado um montante de despesas muito grandes e que eu havia cumprido com todos os pagamentos anteriores com muita pontualidade e honestidade.
Como eu era estrangeiro, nas vezes em que o hospital me concedeu crédito, eles não tinham nenhuma garantia de que eu os pagaria. Eu não tinha social security number, nem propriedades e nem fiadores e poderia ter dado um calote. Aqueles foram créditos concedidos à moda antiga, baseados na confiança e na palavra empenhadas.
Agradecemos a generosidade deles e voltamos para a clínica a fim de conversar com o Dr. Clarkson. Ele nos explicou que além do transplante de córnea, seria retirado o óleo de silicone colocado treze anos atrás e que essas duas fases da cirurgia seriam feitas pelo Dr. Pflugfelder e pelo Dr. Harry W.Flynn Jr.
Disse que ele já não estava mais operando, pois havia assumido o cargo de reitor da Universidade de Miami na área de medicina e eu era um dos poucos pacientes que ele ainda acompanhava.
Agradeci ao Dr. Clarkson por todos aqueles anos de atenção e desejei-lhe boa sorte na sua nova função. Ele disse que gostava muito de mim e que havia sido um prazer ter acompanhado o meu caso e estar passando todas as informações ao Dr. Blumenkranz durante todos aqueles anos.
A cirurgia foi marcada para a primeira semana de dezembro e com isso, tivemos tempo de preparar as coisas para o pós-operatório.
Como a Rebecca estava comigo naquela viagem, a colocamos numa pré-escola e para me fazer companhia durante o dia, Angélica contratou uma amiga que não estava trabalhando, assim eu não ficaria sozinho.
Aquela cirurgia foi relativamente rápida e em menos de duas horas estava tudo terminado. De novo o pós-operatório foi marcado pela escuridão, dor e receios. Meu maior medo já não era apenas por mim. De certa forma eu tinha me acostumado aos limites que tive naqueles últimos quinze anos. Na verdade, minha maior preocupação era não ver mais os rostinhos da Rebecca e do Enrico. Não poder vê-los sorrindo e suas carinhas sapecas. Eu temia não poder participar com eles das coisas mais comuns entre pais e filhos.
A expectativa desta vez, era a de ter uma visão estabilizada após a córnea transplantada ficar completamente revigorada, translúcida. Segundo os médicos isso poderia demorar até seis meses e dependeria de muitos fatores. Disseram também que às vezes a córnea não volta a revigorar todos os seus tecidos e se faz necessário trocá-la.
Uma semana depois de operado, o inchaço foi diminuindo e percebia que minha visão começava a clarear cada vez mais. Nesses testes, eu usava Cris, a amiga da minha irmã, como parâmetro. Como eu não a conhecia, todas as vezes que ela tirava o curativo do meu olho para pingar os colírios, eu tentava enxergar seu rosto. Em apenas dez dias eu já estava podendo identificar algumas características do seu rosto, corpo e vestuário.
Quando cheguei à consulta com o Dr. Flugfelder, ele ficou surpreso com a recuperação dos tecidos da córnea que, segundo ele, estava praticamente translúcida e natural. Com isso ele me deu uma receita para fazer a lente dos óculos e pediu que eu retornasse após o Natal.
Se os próprios médicos não sabiam explicar certas situações que ocorriam nas minhas cirurgias, e nas recuperações pós-cirúrgicas, como é que eu saberia? Nada tinha lógica, nada tinha sentido. Buscar uma explicação para tantos acontecimentos inexplicáveis e anômalos seria adentrar no sobrenatural, no cármico, no mágico, no divino.
Fechava-se um ciclo obscuro, sem nexo, contundente e marcante. Quatorze anos de intensas emoções, de infinitas sensações. As revoluções continuavam gerando novas etapas, novas fases. Nasceram e não queriam morrer. Seus protagonistas já não tinham o vigor de outrora, mas combateram todos os combates, todas as lutas.
KAMU SEDANG MEMBACA
Fidel com a dele e eu com a minha.
NonfiksiUma Historia Real, passada nos anos 1980. Imagine, perder a visão aos 22 anos e ficar condenado a cegueira eterna. O que você faria? No cenário, as lindas praias de Guarujá e Miami, apimentadas com um pouquinho de Guerra Fria. Um jovem estudante de...
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