PARTE III

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          A agenda daqueles primeiros dias após minha chegada estava bem cheia. Recebi a visita de dezenas de amigos e pessoas que queriam me felicitar pela recuperação. Retribuindo pelas orações a mim dirigidas, visitei algumas igrejas, templos e sociedades religiosas com o propósito de agradecer àquelas pessoas que participaram nas correntes de mentalização a meu favor.

Enquanto isso, o mundo assistiu uma cena marcante e comovente. A maratonista suíça Gabriela Andersen-Scheiss deu uma verdadeira lição de vida na prova da maratona olímpica. Obstinada, num esforço sobre-humano, ela conseguiu completar a prova cambaleante e quase sem forças. O mundo se emocionou por ela, torceu por ela, vibrou quando ela pisou na linha de chegada e venceu. Não venceu a prova, mas venceu a todas as dificuldades conseguindo seu intuito, seu objetivo. Ao ver aquelas cenas, lembrei da minha trajetória em meses passados. Aquela imagem podia muito bem representar o que passei entre abril e agosto de 1984.

Às vezes eu descia e ia à casa do meu tio Tino, no térreo, e ficava lá batendo papo, comendo alguma coisa preparada pela tia Iracy exatamente como eu sempre havia feito antes. Normalmente eu chegava de moto, que guardava na garagem, num espaço feito sob medida bem ao lado da porta da escada, que terminava exatamente na porta da casa dos meus tios. Por isso ao chegar e sair, sempre que dava, eu passava para dar um oi e conversar.

Naquela minha primeira visita aos meus tios, não resisti e desci a escada, abri a porta e fiquei ali olhando o lugar onde ficava a minha moto. Agora, aquele espaço estava vazio, triste. Com a minha autorização, meu irmão vendera a moto para ajudar a pagar as despesas da viagem aos Estados Unidos. Enquanto moramos naquele prédio, todas as vezes que eu passava naquele local, era como se eu a estivesse vendo, linda, imponente, guerreira. Assim era a minha companheira de tantas viagens, aventuras e paqueras. Minha moto era uma Honda XL250RE, que originalmente era vermelha com o banco azul. Após uma queda, mandei fazer algumas modificações. Em uma revista importada vi a foto de uma Honda 750 cujo tanque era pintado como a bandeira da França. Aproveitei que teria que pintar o tanque da minha moto e fiz aquela pintura, deixando a faixa vermelha pra frente e a faixa azul colada ao banco. Então, aumentei a suspensão da moto, colei números na laterais e adesivei o para-lama da frente e a carenagem. Onde quer que eu fosse, ela chamava a atenção dos olhares e despertava a curiosidade nas pessoas, que vinham me perguntar que moto era aquela, modelo e coisa, e tal. Durante pouco mais de um ano foi a minha grande companheira e agora deixava aquele espaço vazio para sempre.

Os dias foram passando e a vida foi pouco a pouco entrando num ritmo parecido ao anterior à cirurgia. Obviamente eu não faria as mesmas coisas de antes, principalmente nos esportes e nas viagens de moto. Durante o dia eu até que me virava bem, mas à noite eu não tinha uma visão que me desse segurança pra sair sozinho. Mesmo assim, fui algumas vezes até o Terraço, a lanchonete da galera. Eram apenas duas quadras de casa e a rua tinha iluminação suficiente para eu percorrer essa distância com certa segurança.

Estava ansioso em estar de volta ao convívio dos meus amigos e assim que terminávamos o lanche da noite, eu ia para lá. A galera costumava passar por lá depois das nove, dez da noite, ainda assim eu chegava às oito. Numa dessas noites, estava tomando uma Malzbier e como estava sozinho, comecei a fazer uma rosa usando um guardanapo de papel. Logo que acabei de fazer a primeira rosa, eu a coloquei sobre o livro Feliz Ano Velho, que Claudinha, minha amiga da faculdade, havia me emprestado. De repente, ouço:

-Que lindo!

Era a Gisele, uma amiga daquela época. Ela veio até onde eu estava sentado no balcão e me abraçou.

Fidel com a dele e eu com a minha.Donde viven las historias. Descúbrelo ahora