Passei aquele final de semana curtindo a vida intensamente. Havia apenas quatro dias que meus pais tinham comprado um Escort Ghia, um carro top de linha, daqueles que todos os caras da minha idade e de outras também, sonham em comprar ou ganhar. Além disso, fazia quase dez anos que não tínhamos um carro na família. O ultimo, havia sido um enorme Aero Willys Itamaraty que eu não tive a oportunidade de dirigir pois ele fora vendido quando eu não havia ainda completado quatorze anos. Aqueles próximos dias seriam o meu primeiro final de semana motorizado e, ainda por cima, com um carro cinco estrelas.
No final, o resultado foi um fim de semana igualmente cinco estrelas.
Eu estava realmente feliz naqueles dias, tudo parecia estar dando certo. A faculdade, os negócios, as paqueras, a harmonia familiar, tudo, tudo, tudo.
Eu ainda não sabia, mas aquele seria o primeiro e também o último fim de semana onde eu teria à minha disposição um carro e a liberdade para sair e me divertir. Convidei o Fredão, meu amigo de infância e de todos os momentos para dar uma volta. Nós havíamos feito um trato onde aquele que um dia tivesse um carro, convidaria o outro para as baladas.
Marcamos de irmos à uma boate em Santos chamada Clube dos Ingleses onde a maioria das frequentadoras estava na mesma faixa etária que a nossa, na época vinte e um, vinte e dois anos.
No caminho, já tão conhecido por nós, entramos na famosa fila da balsa que faz a travessia entre Guarujá e Santos e onde normalmente sempre se encontra alguém conhecido, pois naquela época, as melhores opções para uma boa noitada fora das temporadas de verão e inverno, estavam em Santos.
Desde a saída da casa do Fredão até a balsa, conversávamos sobre as nossas conquistas pessoais. Vínhamos de famílias de origem simples, que lutavam muito e com muito sacrifício a fim de proporcionar aos filhos uma vida melhor do que a que eles tiveram (principalmente no que diz respeito à educação). Falávamos sobre isso e sobre como as coisas estavam melhorando para os dois, pois eu estava no terceiro ano de Arquitetura e o Fredão no terceiro ano de Direito. Lembrávamos de um passado nada remoto das inúmeras travessias na barquinha, na catraia, ou mesmo a pé pela balsa. Nas noites de chuva, nas madrugadas frias, outras que a neblina impedia que a balsa cruzasse o canal e tínhamos que esperar horas a fio até que o nevoeiro se dissipasse.
Fredão e eu buscavamos sempre um comportamento diferente de nossos amigos comuns. Tentávamos sair da mesmice que imperava em nosso círculo de amizades, onde as pessoas pouco aspiravam melhoria cultural ou intelectual. Alguns por não terem condições econômicas, outros por não terem ambição e outros por falta de interesse mesmo, por falta de vislumbrar um futuro mais digno.
Fazíamos planos de viagens a São Paulo, não só para diversão, sobretudo visando um envolvimento mais constante com pessoas e elementos ligados à cultura, à vanguarda das idéias e dos novos tempos que estavam chegando. O Brasil estava ao borde de uma mudança radical na política interna.
Mas ali, naquela hora, a nossa realidade ainda era aquela realidade carregada de rasgos provincianos e o nosso objetivo naquele momento, era o de aproveitarmos a noite que estava apenas começando.
Havia chegado o dia com que sempre sonháramos: carro zero, juventude, educação, cultura e dinheiro suficiente para uma diversão saudável. Agora só faltavam as novas conquistas: as garotas.
Chegando no destino, passamos na frente do Clube dos Ingleses e após darmos umas voltas pelo quarteirão, uma tática costumeira usada quando se objetiva dar uma sondada no ambiente, aproveitando é claro para mostrar o carro novinho, outra tática que segundo o pessoal da psicologia, os homens costumam fazer, e muito. Uns quinze minutos depois, resolvemos entrar e conferir o resultado da nossa estréia.
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Fidel com a dele e eu com a minha.
Non-FictionUma Historia Real, passada nos anos 1980. Imagine, perder a visão aos 22 anos e ficar condenado a cegueira eterna. O que você faria? No cenário, as lindas praias de Guarujá e Miami, apimentadas com um pouquinho de Guerra Fria. Um jovem estudante de...
