Logo na chegada ao Guarujá, pude perceber que muita coisa tinha mudado por lá. Havia a saudade e a alegria do reencontro. Aquelas feridas de tempos atrás já estavam fechadas, cicatrizadas.
Fazia exatamente um ano que eu havia partido para a terceira viagem, e após as quatro cirurgias que fiz nos Estados Unidos, minha visão se estabilizou e isso amortizou e equilibrou os sentimentos e as emoções. A família reuniu-se num almoço preparado pela tia Expedita e o cardápio não podia ser outro a não ser o seu famoso tutu.
Nas quinze malas que trouxemos tinha de tudo, para todos. Encomendas, presentes e muitas novidades. Como Angélica trabalhava numa loja cuja especialidade era exatamente essa, a venda das maiores novidades em eletrônica, perfumaria e moda, a abertura das malas foi um show à parte. Eram tempos onde os importados causavam um alvoroço nas pessoas.
Com isso conseguimos fazer boas vendas e recuperar uma boa parte do dinheiro gasto naquele ano que passamos em Miami.
Eu estava ansioso para ir até a estamparia e saber das novidades que eu já sabia, eram muitas. Com nova sede e novos funcionários, a empresa havia crescido tanto que não a reconheci. Absolutamente tudo estava diferente e com nova cara. As Adrianas já não estavam mais lá e nem o time de estampadores. Aos poucos, percebi que ali não era mais o meu lugar. Meus sócios tinham outras prioridades e a empresa já não tinha mais aquela alegria que eu tinha deixado um ano atrás. Numa negociação rápida, me desliguei da empresa e eles também acharam melhor assim.
Ficaram com a parte material, estrutural e com a loja, e recebi minha parte em dinheiro. Como a inflação estava voltando após a primeira fase do Plano Cruzado, pensei bem e comprei dólares. Eu sabia que teria que voltar aos Estados Unidos e fiquei estudando algumas possibilidades para poder investir aquele capital. Também tinha que pensar num negócio onde eu pudesse trabalhar ativamente apesar da minha limitação visual.
Enquanto não me decidia, fui retomando contato com as pessoas que fizeram parte da minha vida antes de abril de 1984. Na maioria das vezes fiquei impressionado com a reação delas. Decepcionado e resignado, assim fiquei e assim entendi que muitas amizades ficaram para trás. Estavam presos no meu passado. Muitos daqueles que antes faziam parte do meu dia a dia, agora voltaram a ser apenas meros conhecidos. Evitando novas decepções, concentrei-me naquelas pessoas que mostravam felicidade em rever-me.
A mais esperada delas era a Adriana, a dona das cartas que encheram meu coração de emoções, e minha mente de fantasias. Quando consegui falar com ela e falei que já estava no Guarujá, ela não acreditou, pois eu não havia contado que estava voltando e ela pensava que eu estivesse ligando de Miami. Disse que estava louco para vê-la e marcamos de nos encontrar no calçadão.
Aquela garota tinha um sorriso lindo, espontâneo e cheio de vida. Foi o sorriso mais bonito que me recebeu naquele meu retorno ao Brasil.
Nossos encontros foram, de certa forma, discretos e esporádicos. Apesar das cartas trocadas e alguns telefonemas, havia se passado um ano desde a última vez que nos vimos. E assim como conheci outras mulheres, a Adriana também conheceu alguém.
Ainda assim, nossos encontros eram gostosos, ternos e carinhosos. Havia um bem querer mútuo, inocente e verdadeiro. Como não assumimos nenhum compromisso, nosso romance acabou ficando cada vez menos intenso, mas sem diminuir aquele carinho que sentíamos um pelo outro.
Com aquelas lacunas das amizades de outrora e que acabaram ficando para trás, foram nascendo novas amizades para um novo Enrique, um Enrique igual na essência, mas com limites físicos.
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Fidel com a dele e eu com a minha.
Non-FictionUma Historia Real, passada nos anos 1980. Imagine, perder a visão aos 22 anos e ficar condenado a cegueira eterna. O que você faria? No cenário, as lindas praias de Guarujá e Miami, apimentadas com um pouquinho de Guerra Fria. Um jovem estudante de...
