Era chegado o dia D da minha revolução pessoal. O dia do desembarque dos aliados: eu, minha mãe e minha irmã, no Hospital Bascom Palmer. Arrumamo-nos e fomos tomar o café da manhã no restaurante do hotel. Mal sentamos e lá veio o "Ramon", apelido que dei para o garçom cubano, mas era em off. Aliás, nesse período, para identificar as pessoas mais rapidamente, costumava apelidá-las com o que tivessem de mais marcante. No caso do garçom foi o tal presunto em espanhol. Ramon já sabia o que eu ia comer, e entre os comentários de que estávamos de saída para ir ao hospital, ele nos disse com muita confiança:
-Vallan tranquilos que usteds están en el mejor Hospital del mundo. Y tu te vaz a curar. Tenga fé.
Pouco depois, quase na saída do restaurante, Ramon nos chamou e reservadamente nos disse, num tom de alerta:
-Tengan cuidado con los puertoriqueños alli por las calles, no son muy buena gente.
Agradecemos e fomos até o quarto para buscar todos os papéis que trouxemos dos médicos brasileiros e seguimos para o hospital. Não era longe, mas minha mãe preferiu chamar um táxi para facilitar para mim.
Nesses dias, minha diversão era perguntar tudo o que se passava ao meu redor para as minhas fiéis escudeiras e exigia detalhes nas descrições. Às vezes isso as irritava, mas isso era o que dava o sabor à coisa e eu conseguia assim ir imaginando melhor as pessoas e os locais por onde passávamos.
O táxi nos levou até a porta de entrada do lobby do hospital. Minha mãe e minha irmã comentavam que mais parecia a entrada de um hotel de luxo do que a de um hospital. A porta se abria sozinha, sem a necessidade de empurrá-la ou puxá-la, o que na época, para quem nunca havia saído do Brasil, era uma grande novidade. Outro comentário era sobre o alto custo que um lugar daqueles deveria ter e o impacto devastador que significaria no nosso modesto orçamento tupiniquim.
De balcão em balcão, chegamos a um que ficavam cinco ou seis atendentes, fazendo a ficha dos pacientes que vinham para as consultas. Minha irmã notou que as pessoas chegavam e escreviam o nome em uma prancheta que ficava em cima do balcão e que só depois eram chamadas.
Ela colocou o meu nome na prancheta e fomos nos sentar em umas cadeiras que estavam colocadas em um corredor ao lado. Poucos minutos depois, escutamos:
-Enrique Dias!
-Enrique Dias!
Levantamos os três rapidamente e fomos até o balcão. A atendente se dirigiu à minha irmã, pois notou que eu não enxergava. Entre algumas perguntas em inglês, (e quando ficava difícil, em espanhol) fomos respondendo a cada uma delas. Mostramos a carta que o Dr. Sergio havia nos dado para que a entregássemos ao médico norte-americano onde explicava todos os tratamentos que eu havia passado no Brasil. Nessa carta, o Dr. Sergio também explicava alguns outros pontos e pedia textualmente para que fossem generosos para comigo. A carta foi anexada ao fichário que foi aberto e pediram que ficássemos sentados em frente à sala número 224.
Perambulamos pelos corredores, até que a localizamos. Os corredores eram largos, aproximadamente uns três metros e meio e as cadeiras eram dispostas em L formando assim alguns mini ambientes. As cadeiras daquele corredor estavam quase todas ocupadas e demos sorte em encontrar três juntas e vazias. Nesse corredor havia várias portas e quando elas se abriam, saíam pacientes ou aparecia um médico chamando o próximo para entrar.
Foram os trinta minutos mais longos da minha vida até que novamente uma porta se abriu e apareceu um médico com um fichário nas mãos e com um sotaque inglês me chamou:
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Fidel com a dele e eu com a minha.
Non-FictionUma Historia Real, passada nos anos 1980. Imagine, perder a visão aos 22 anos e ficar condenado a cegueira eterna. O que você faria? No cenário, as lindas praias de Guarujá e Miami, apimentadas com um pouquinho de Guerra Fria. Um jovem estudante de...
