DIAS INTENSOS

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A chegada foi como se esperava: a casa cheia de tristeza e de familiares desolados. Meus tios Tino e Vitor choravam e estavam revoltados. Queriam matar os médicos, não aceitavam aquela situação.

Aquela força que nasceu no consultório do Dr. Suzuki emanava energia e dentro da medida do possível fui acalmando as pessoas não mostrando fragilidade e nem revolta. Estava estranhamente calmo, racional e esperançoso de um porvir melhor. Meu pai estava muito emocionado, segurou a minha cabeça com as duas mãos e encostou a sua testa na minha e pressionou fortemente, parecia querer entrar na minha mente. A voz dele estava embargada, mas ele não precisava falar nada, eu sabia exatamente o que ele estava sentindo.

A partir daquele dia, um período muito fora do normal aconteceria na minha vida. Absolutamente diferente de tudo o que eu já havia vivido, visto e ouvido. Não por eu estar sem enxergar, mas sim pela absurda variedade de emoções, sentimentos, possibilidades e esperanças que me envolviam.

Começou então uma mobilização impressionante na família, nos amigos e até mesmo por pessoas desconhecidas e em várias partes do Brasil e exterior.

Todos queriam ajudar a encontrar uma solução que devolvesse minha visão.

Da minha parte, toda aquela energia me fez ficar altivo, forte, tanto emocional como fisicamente. Não me entreguei, não iria pensar em suicídio como havia pensado antes. Haveria de enfrentar aquela situação e dar a volta por cima.

A ajuda, as opiniões, os palpites, vinham de todos os lados, de todos os credos, de todas as raças. Era uma mobilização que crescia dia a dia.

Inconformados com os resultados das cirurgias, alguns condôminos do prédio onde meu pai era zelador, formaram um grupo e questionaram os principais médicos de São Paulo. Todos os professores de oftalmologia da Faculdade de Medicina da USP já conheciam o meu caso e as respostas eram sempre as mesmas:

-Não há o que possa ser feito no caso do Enrique.

Durante mais de quinze anos, meu pai fora zelador de um edifício no Guarujá chamado Edifício Guaibê e foi nesse lugar que cresci. Vivi lá dos sete aos vinte e um anos. Nesse prédio, passavam as férias de verão, de inverno e feriados prolongados, várias famílias paulistanas, em sua maioria de grandes empresários. Se fossem somadas as fortunas dessas famílias, o resultado seria maior do que o PIB de dezenas de países mundo a fora. Algumas dessas famílias tinham muita consideração pelo meu pai e pela nossa família. Eu e meus irmãos éramos amigos dos filhos delas e frequentávamos os seus apartamentos . Daí, nasceram grandes amizades e afinidades.

Essa era uma das possibilidades daqueles que tentavam uma solução médica: reabrir meu caso. Mesmo que para isso, eu tivesse que tentar um tratamento no exterior, como foi cogitado por dona Mira Kajan. Inconformada com a minha siuação,  dona Mira foi uma das principais articuladoras desse movimento que incluía outras famílias.

Por sua vez, outras pessoas tentavam contato com médicos cariocas, mineiros, do interior de São Paulo, mas quando se dizia que eu havia sido paciente do Dr. Sérgio Cunha, a resposta era sempre a mesma:

-Se o Dr. Sérgio já fez o que tinha que ser feito, eu não preciso nem ver o Enrique, pois eu fui aluno do Dr. Sérgio.

Com isso, a possibilidade de buscar uma solução no Brasil foi diminuindo até tornar-se nula.

Outras pessoas me visitavam e traziam notícias de pacientes que foram operados espiritualmente, e essa possibilidade foi, cada vez mais, ganhando corpo. Eu estava na dúvida se queria ser operado dessa forma. Acabei cedendo e através da minha irmã, foi feito um contato com um centro espírita de Recife, onde um médico desencarnado fazia operações espirituais. Tudo foi feito através de cartas e telefonemas, e assim foi marcado dia e hora para que eu estivesse pronto e preparado para a cirurgia.

Fidel com a dele e eu com a minha.Où les histoires vivent. Découvrez maintenant