Naquelas mais de oito horas de vôo, pude perceber o quanto as coisas mudaram desde abril do ano anterior. O tempo e a distância haviam se encarregado de diminuir a comoção das pessoas mais próximas a mim, em relação à perda da minha visão. Com isso, algumas pessoas se afastaram totalmente do meu convívio e novas pessoas chegaram.
Mais uma vez, saí de cena sem me despedir delas. As coisas relativas à viagem foram resolvidas em menos de uma semana. E ali estava eu, a caminho de outra batalha. Sem saber se seria a batalha final ou se seria mais uma naquela revolução sem fim.
Ao chegarmos em Miami, nos esperava o Sr. Gomes, um brasileiro que era funcionário da Varig e coincidentemente pai de uma amiga do meu sócio Carlito e de sua irmã Rosa. Inclusive havíamos levado alguns presentes e cartas da Rosa para a Gina, filha do Sr. Gomes.
Chegamos numa segunda-feira, e após passarmos na Casa McDonald, fomos direto para o hospital e para a consulta com o Dr. Blumenkranz.
Parecia um replay da viagem anterior. Alegria e tristeza nos reencontros, o mesmo diagnóstico e nova cirurgia foi marcada.
Desta vez seria usada uma nova técnica e o Dr. Blumenkranz me explicou que ele faria a cirurgia para conter o descolamento da retina e que após algumas semanas o Dr. Clarkson faria a colocação de óleo de silicone dentro do meu olho. Essa técnica consistia na retirada do "humor vitreous" e sua substituição pelo óleo de silicone. Com isso, não haveria como a retina sofrer infiltrações e, consequentemente, outro descolamento. Além disso, a retina estaria sendo prensada de encontro ao fundo do olho.
Fui operado e o Dr. Blumenkranz partiu no dia seguinte para Detroit.
Senti-me órfão. Fiquei inseguro. Naquele médico eu confiava até mais do que em mim mesmo.
Foi uma despedida esquisita. Eu estava com o tampão no olho, com dores devido à cirurgia e não pude me despedir da maneira que desejava.
Um aperto de mão, palavras de boa sorte e de muito obrigado por tudo. E a promessa de uma visita a ele em Detroit. Assim nos despedimos.
Um mês depois, veio a outra cirurgia e a segunda parte daquela técnica. No total, aquela era a sexta cirurgia, ou a segunda parte da quinta cirurgia. Foi mais rápida do que as anteriores, e com anestesia local. Reutilizei a técnica do PIM na hora das agulhadas no olho.
Dr. Clarkson foi um dos médicos que a princípio, antes da primeira cirurgia, não estava convencido da minha recuperação. Porém, ele assumiu por completo a continuidade do tratamento iniciado pelo Dr. Blumenkranz. Pouco a pouco ele foi ficando mais amável e simpático e isso fez crescer minha confiança em seguir sob seus cuidados.
Na Casa McDonald, reencontramos várias famílias que estivera conosco em nossa última estada. Estavam, obviamente, Maria Antonieta, Alex e a senhora Irmía a quem eu chamava de "mi abuelita". Estavam também os argentinos Rafael, Cristina e sua filha Valéria, e os Cabrera que agora tinham mais uma filhinha nascida dias antes da minha chegada.
Ligamos para a Gina para combinarmos um dia para que ela fosse buscar os presentes que Rosa havia enviado. No dia marcado, ela chegou pontualmente, e de cara comecei a brincar com ela, dizendo que nós brasileiros nunca chegávamos na hora combinada. Ela era muito simpática e espirituosa e nos demos tão bem que nasceu uma grande amizade entre nós e nossas famílias.
Seus pais, Sr. Gomes e dona Aída eram gaúchos radicados nos Estados Unidos há mais de vinte anos, onde tiveram seus três filhos: Jorge, Gina e Carmen.
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Fidel com a dele e eu com a minha.
Non-FictionUma Historia Real, passada nos anos 1980. Imagine, perder a visão aos 22 anos e ficar condenado a cegueira eterna. O que você faria? No cenário, as lindas praias de Guarujá e Miami, apimentadas com um pouquinho de Guerra Fria. Um jovem estudante de...
