Numa manhã ensolarada, eu estava deitado na cama dos meus pais, a espera da hora do almoço.
O quarto ficava de frente para o mar, e por ter a frente toda envidraçada, o sol o invadia e chegava até a cama. Eu gostava de ficar ali, perto do meu mar, da minha praia. O almoço era normalmente trazido pela minha mãe e colocado em uma mesinha de cama para que eu não abaixasse a cabeça e foi nessa hora que percebi algo diferente no meu olho. Parecia que estava com menos visão no campo visual do lado direito, mas era muito difícil precisar com exatidão se era uma ilusão minha, ou se realmente a minha visão estava diferente.
Comentei com algumas pessoas e todos no intuito de manter o otimismo em alta, diziam que poderia ser ilusão minha e tentavam manter-me calmo.
Essa percepção foi me intrigando e estabeleci um teste próprio para ver se era algo da minha cabeça ou se realmente era real.
A cama dos meus pais era em estilo colonial, com a cabeceira adornada com barras espaçadas entre uma e outra por uns dez a doze centímetros. Eu encaixava a nuca nas barras centrais, olhava para frente e vinha com a mão direita num movimento de trás para frente até que eu a visse. Nesse momento eu marcava o lugar onde a mão aparecia; justamente nas portas do armário embutido que havia naquela parede à minha direita. No segundo dia desse teste, constatei que não era ilusão minha, eu realmente estava perdendo a visão, minimamente, mas estava.
Pedi à minha irmã Angélica que ligasse para o médico e explicasse a ele o que estava acontecendo. Ela entrou em contato com a clínica, e lhe disseram que eu ficasse calmo, pois estava tudo certo e que poderia ser apenas falta de costume, já que eu havia perdido cinco por cento de área de visão, justamente nesse lado do campo visual, durante o processo cirúrgico.
No outro dia, mais uma vez fiz o teste e, novamente, para meu desespero, percebi que estava demorando ainda mais para aparecer minha mão. Ela já não aparecia no mesmo lugar dentre as portas do armário.
Avisei minha família e disse que queria ir ao médico para realmente saber o que estava acontecendo. Marcamos uma consulta e fomos para São Paulo. Eu ficava muito tenso quando andava de carro, pois sabia que aqueles tranquinhos, aqueles solavancos não eram bons para uma pessoa que havia operado a retina. Meu pai ou minha irmã dirigiam com bastante cuidado, mas era impossível escapar de todos os buracos e defeitos no asfalto.
Fui para a clínica sabendo que algo de ruim estava por vir. Sabia que estava diferente mesmo que todos dissessem que não era nada, que era impressão minha, e que estava tudo bem.
Ao chegar à clínica, dona Cida veio ao meu encontro e perguntou o que havia acontecido. Expliquei rapidamente e ela me disse que o Dr. Sergio mandou que ela dilatasse a minha pupila. Lá fomos nós para a famosa salinha escura. Quando entrei vi umas quatro pessoas sentadas nos sofás e sentei-me ao lado de uma senhora.
Quando a dona Cida pôs o colírio no meu olho, virou-se para a senhora e perguntou:
-Dona Rachel, vamos colocar mais umas gotinhas?
A senhora então respondeu:
-Ai, minha filha, será que ainda vai demorar muito?
E completou:
-Eu tenho que estar no aeroporto dentro de duas horas no máximo.
Entra na sala uma das secretárias e pergunta:
-Dona Rachel, qual é a sua data de nascimento?
Ela responde:
-17 de novembro de 1910.
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Fidel com a dele e eu com a minha.
Non-FictionUma Historia Real, passada nos anos 1980. Imagine, perder a visão aos 22 anos e ficar condenado a cegueira eterna. O que você faria? No cenário, as lindas praias de Guarujá e Miami, apimentadas com um pouquinho de Guerra Fria. Um jovem estudante de...
