Passado aquele impacto inicial, ele timidamente entregou-lhe as flores e disse que antes de saírem, gostaria de fazer-lhe uma homenagem. Os sofás e as cadeiras do refeitório estavam praticamente todos ocupados. Então, ele abriu a sua maleta e retirou de lá, uma gaita escocesa. Foi um choque geral, porém, discreto e comentado somente após a saída do casal. Ninguém esperava por aquilo e muito menos Angélica, que ficou no meio da sala com as flores nos braços e ele executando uma música típica com sua gaita.
O concerto durou uns quinze minutos e pouco a pouco a sala foi esvaziando. No final, ela agradeceu e em seguida saíram para o jantar.
Assim que viraram as costas, o zum-zum-zum foi geral:
-Usteds virón la cara del pobre cuando ella salió del cuarto? Ella estaba lindisima y el hombre con una ropa muy simples.
-Yo creo que ellos no combunan para nada. Ella és muy linda para el. Diziam as mulheres que presenciaram a cena acontecida há poucos minutos.
Realmente, elas acertaram em cheio, aquele foi o primeiro e último encontro dos dois. Eu, que até pensei que passaria férias na Nova Zelândia, para visitar a minha irmã, tirei muito sarro dela naqueles dias. Depois daquela noite, nunca mais vimos Gregory no hospital.
Depois de tantas idas e vindas, meu espanhol já estava muito bom e além de escutar os livros "falantes", eu participava de vários programas de rádio que convidavam os ouvintes a opinar pelo telefone. Assim, eu tinha a oportunidade de falar e opinar, apresentando um ponto de vista que não fosse os dos exilados cubanos residentes em Miami que estavam há décadas focados em apenas um tema: a revolução cubana e as suas consequências. Existia uma batalha de informação entre as rádios comunistas de Cuba e as rádios dos exilados de Miami.
Para esses dois polos tão opostos, a palavra de ordem era radicalização.
Não existia meio termo e nem consenso. As feridas eram constantemente reabertas e sangravam. Os exilados lembravam e choravam a morte dos milhares de fuzilados dos primeiros anos da revolução e também as centenas de mortos que tentavam cruzar em balsas o Estreito da Flórida. Em Cuba, os locutores das rádios acusavam os exilados de fomentar grupos terroristas anti-revolucionários.
Meu passatempo consistia em monitorar o máximo possível, todos os programas de conteúdo político jornalístico, tanto em Cuba quanto em Miami.
Como eles não podiam resolver as diferenças diretamente usavam as guerrilhas centro-americanas para tal. Os exilados apoiavam "Os Contra" na Nicarágua e o governo salvadorenho na luta contra a guerrilha comunista. O governo cubano apoiava os Sandinistas nicaraguenses e a guerrilha em El Salvador. Era uma troca de acusações e desinformações sem trégua e interminável. E as semanas iam passando.
Na Casa eu tive a oportunidade de conhecer várias famílias salvadorenhas, nicaraguenses e guatemaltecas. Na sua maioria gente bem humilde e de baixo poder aquisitivo. Alguns chegaram a Miami através de ajuda humanitária, muitas vezes promovida pelo Lions Clube e Rotary Clube desses países. Nesses contatos, eu, de certa forma, entrevistava essas pessoas tentando extrair delas o que realmente acontecia em seus países.
Os nicaraguenses diziam que se estava ruim na época do ditador Somoza, havia ficado ainda pior com o governo dos sandinistas. Os salvadorenhos estavam assustados com aquela guerra civil sangrenta e interminável. O sentimento comum naquelas pessoas era o desejo de paz.
Minhas entradas nos programas de rádio em Miami passaram a ser quase que uma obrigação. Alguns apresentadores já me identificavam quando eu os cumprimentava.
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Fidel com a dele e eu com a minha.
Non-FictionUma Historia Real, passada nos anos 1980. Imagine, perder a visão aos 22 anos e ficar condenado a cegueira eterna. O que você faria? No cenário, as lindas praias de Guarujá e Miami, apimentadas com um pouquinho de Guerra Fria. Um jovem estudante de...
U.S.A. 3 - PRIORIDADE MÁXIMA
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