-Se o lindo é para mim, estou disponível. Se for para o livro, eu também tenho uma história pra contar. E se é para a flor, é sua. Disse, já ofertando a rosa para ela.
-Nossa que saudades. Que bom que você está bem. Rezei muito pra você.
Agradeci e ela sentou-se no banco ao meu lado e ficamos conversando.
Logo depois chegaram mais amigos e todos queriam saber o que tinha acontecido comigo. Fiquei sabendo das várias versões sobre como eu havia perdido a visão e até me diverti com a imaginação do povo.
Voltei para casa na companhia de dois grandes amigos, o Fredão e o Fernandinho. Antes de subir, fiquei sentado com eles na escada do prédio, conversando sobre a vida. O que eu faria dali em diante, quais eram os meus planos? Eles queriam saber.
-Eu ainda não sei. Dificilmente poderei continuar na faculdade. Quanto à estamparia, tudo bem, afinal eu posso fazer quase tudo e se precisar, contrato uma pessoa para desenhar pra mim. Mas, na verdade, eu ainda não sei de nada. Toda a minha atenção esteve e está voltada para que eu voltasse a enxergar. Respondi.
-O pior é que a Federal da PB aceitou o meu pedido de transferência e perdi essa oportunidade. Comentei com eles.
Falamos das novidades locais e contei da viagem pra eles. Já estava ficando tarde e era dia de semana. Despedimo-nos e subi. Quando entrei em casa, minha avó me deu o recado de um amigo da faculdade. Liguei para o Alberto e ele me disse que a turma do terceiro semestre iria fazer uma churrascada na praia do Guaíuba e queriam que eu fosse até lá.
No dia seguinte liguei para a minha prima Luciana e a convidei para ir comigo. Minha intenção era a de ir dirigindo, mas eu achei melhor que tivesse alguém como co-piloto. Ela aceitou participar da aventura. Eu tinha cerca de vinte e cinco por cento da visão, mas sem nenhuma visão periférica. Minha vontade de dirigir era tanta que resolvi arriscar. A inconseqüência natural da juventude falou mais alto do que a responsabilidade e a razão. Luciana chegou em casa na hora do almoço e saímos meio de "fininho" sem dar explicações sobre onde iríamos.
Ela estava com dezessete anos e não sabia dirigir e ia mesmo, somente para me "guiar" no caso de uma emergência. Eu queria voltar a sentir a sensação de dirigir, fazer o meu caminho, escolher o meu destino.
Cuidadosamente fui guiando e chegamos sãos e salvos na churrascada.
Foi muito legal poder rever a turma da faculdade e confraternizar com eles. Mas pela primeira vez, eu senti que a fila anda. Com o afastamento e a falta de contato, fiquei um pouco deslocado. Aquilo me levou a refletir e perceber que até mesmo alguns dos meus amigos mais chegados, foram por diversas razões se afastando. Minha ausência e as minhas limitações, criaram uma lacuna que tudo indicava, só aumentaria. Como eu não podia ficar com o carro por muito tempo, ficamos lá por cerca de duas horas e voltamos.
Luciana, sempre espirituosa, ia o caminho todo fazendo piadas e conjecturando possíveis tragédias. Dizia que era muito nova pra morrer. Que ainda tinha muita lenha pra queimar e coisas do gênero, nos divertíamos com isso.
Felizmente deu tudo certo e estacionei o carro pela última vez na vida. Percebi que havia feito uma extravagância, um abuso desnecessário. Pra que arriscar tanto por tão pouco?
Confirmando o combinado, Beth foi para o Guarujá no feriado de 7 de setembro. Conversando com ela, falei da necessidade de voltar em fevereiro para dar sequência ao tratamento, e perguntei se havia alguma chance de conseguir uma passagem grátis com a Varig.
Beth me disse para escrever uma carta explicando o caso e solicitando a cortesia, anexando também as cartas dos médicos e comprovantes da última viagem. Com isso, ela mesma entregaria a solicitação à presidência da companhia.
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Fidel com a dele e eu com a minha.
Non-FictionUma Historia Real, passada nos anos 1980. Imagine, perder a visão aos 22 anos e ficar condenado a cegueira eterna. O que você faria? No cenário, as lindas praias de Guarujá e Miami, apimentadas com um pouquinho de Guerra Fria. Um jovem estudante de...
PARTE III
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