-O Corinthians perdeu ontem de um a zero. Disse ela.
-Eita vó. É só eu chegar e o Coringão perde pô! Respondi meio que na brincadeira.
Aí o meu pai falou;
-Sabe o que a Duca preparou pra você?
-Tutu? Perguntei já eufórico.
-Tem tutu para umas cem pessoas disse o meu irmão.
Esfreguei as mãos e aproveitei para contar que eu havia comido faisão no avião.
-Caramba, isso é que é cardápio hein? Faisão no jantar e um tutu da Duca no almoço.
O tutu da tia Expedita, a Duca para os íntimos, é famoso na família, afinal ela, como boa mineira, era uma cozinheira de mão cheia.
Do alto da serra em alguns trechos da estrada, dava para ver algumas partes da cidade de Santos e numa dessas oportunidades eu falei:
-Oh pai. Dá até para ver Santos.
Ele que estava sentado atrás do meu banco, deu uma acariciada no meu pescoço e disse:
-Que maravilha meu filho!
-Graças a Deus.
Estávamos quase chegando ao Guarujá e o Marcos diminuiu a velocidade para esperar os outros carros que vinham atrás do nosso. Quando a estrada acabou e entramos na avenida que leva ao centro da cidade, mais uma surpresa. Colocaram outra faixa de boas vindas no viaduto que passa por cima desta avenida.
"Seja bem-vindo Enrique. Você é um vencedor"
Daquele ponto em diante, até chegarmos ao centro, formou-se uma pequena carreata com os carros que haviam ido nos esperar, e todos seguiam buzinando. Foi uma entrada triunfal, magnífica, muito emocionante. Marcos parou o carro na principal esquina do centrinho, Mário Ribeiro com a Petrópolis, e todos descemos para cumprimentar os amigos que nos esperavam ali.
O pessoal da Livraria Guarujá, os garçons e os donos do Mosca Frita, o seu Carlos da Guaru, o pessoal da Farmácia Guarujá, do açougue, enfim, o pessoal ia chegando e me abraçando, e comemorando junto com a minha família. Tinha até fogos de artifício e perguntei para o tio Tino:
-Quem está soltando os fogos?
-O Dito Capeta. Respondeu ele.
Logo depois, Dito veio me cumprimentar e eu agradeci pela homenagem. Dito era encanador, nas horas vagas era juiz de futebol e já me conhecia há muitos anos.
Eu não esperava por tudo aquilo, tanta festa. Foi uma emoção atrás da outra. Acho que todos haviam se envolvido tanto com o meu problema, aqueles quatro meses, que aquela vitória passou a ser coletiva. Merecidamente eles estavam festejando e extravasando suas emoções. Senti-me extremamente protegido e querido pela minha família, e pelas pessoas com as quais eu havia convivido durante anos naquele bairro, naquela cidade.
As portas do nosso apartamento se abriram e fui até a cozinha onde Nice, nossa empregada, estava cuidando do almoço.
-Grande Nice. Tudo bem?
Falei entrando cozinha adentro e indo até onde ela estava. Ela sorriu timidamente, mas feliz. Nice era uma moça muito jovem, sempre de pouquíssimas palavras. A abracei e perguntei:
-E esse tutu Nice? Ta no capricho?
-Ta sim. Foi dona Expedita que fez. Respondeu ela.
-Então, me avisa a hora que estiver pronto que estou louco para comer esse tutuzinho. Falei e fui saindo.
Éramos quase quarenta pessoas naquele almoço, que para mim era um verdadeiro manjar dos deuses. A felicidade estava estampada nos rostos de todos e eles queriam saber das coisas dos Estados Unidos. Íamos contando sobre as que mais haviam chamado nossa atenção e algumas das coisas engraçadas que ocorreram na Casa McDonald.
Pedi para a Angélica buscar uma das latas de coca-cola que eu havia trazido e após esvaziá-la, fiz o meu showzinho.
-Olha só como eu estou forte tio. Falei, chamando a atenção dos que estavam na mesa. Em seguida, fui amassando a latinha até deixá-la completamente deformada.
Teve gente que ficou olhando sem entender e então fui denunciado pela Angélica que contou o porquê daquela facilidade.
-Ô enganador! Um sete um! Pilantra!
Na brincadeira, ganhei vários adjetivos pela minha performance. Depois do almoço recebi várias visitas de amigos e até mesmo de pessoas que eu não conhecia, até então, e que tinham participado de novenas, correntes e grupos de reza e ou mentalização.
Foi um dia magnífico, e eu estava tão excitado que o cansaço passou batido e acabei indo dormir quase duas horas da manhã. Devido à viagem e à mudança de fuso horário, acabei acordando algumas vezes e às seis horas me levantei e fui até a frente do apartamento.
Estava escuro e os holofotes da praia ainda iluminavam a espuma das ondas que formavam um desenho parecido com algumas luzes que eu enxergava quando ficava de olhos fechados. Fiquei ali contemplando aquela paisagem à espera do nascer do sol, que se fazia denunciar ao separar o céu do mar. Já dava para ver os tons avermelhados e alaranjados ajudando a formar a linha do horizonte. Algumas nuvens ajudavam a compor aquele quadro, às vezes poético, às vezes lacônico, às vezes simbólico. Para mim, naquele momento, ele era a energia, a luz, a vida.
Voltar a ver o sol nascer era a certeza de que minha vida tinha sido resgatada.
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Fidel com a dele e eu com a minha.
Non-FictionUma Historia Real, passada nos anos 1980. Imagine, perder a visão aos 22 anos e ficar condenado a cegueira eterna. O que você faria? No cenário, as lindas praias de Guarujá e Miami, apimentadas com um pouquinho de Guerra Fria. Um jovem estudante de...
VOLTANDO PRA CASA
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