Caí nos braços do meu pai, demos um abraço forte e beijos. Quase não dava para falar, a emoção não deixava. E assim foi. Uma sucessão de abraços no tio Tino, tio Vitor, no Marcos meu irmão, na Maítha minha irmã, na vó Rita, nas minhas primas Márcia, Rosana, Valquíria e Luciana, nas minhas tias Ruth, Expedita e Iracy, nos amigos e amigas. Meu disfarce de turista gringo sumiu no meio daquela comemoração.
As pessoas que estavam por perto perguntavam se eu era algum atleta que estava regressando das Olimpíadas, e para um deles o meu tio Vitor disse:
-É sim.
De que esporte? Perguntou o estranho.
-Ele ganhou medalha de ouro no "assalto triplo". Disse o sarrista do meu tio.
Depois de uns dez minutos, fomos saindo e aí começaram a disputar em qual dos carros nós iríamos. Acabei indo no carro com meu irmão, meu pai, minha mãe e minha avó. Fomos em caravana pela Via Anchieta. No caminho íamos contando tudo que havia acontecido de importante e de engraçado também naqueles dias em Miami.
Quando estávamos na parte da serra, começou a tocar, no rádio do carro, uma música que eu adorava e que tinha sido uma das músicas mais tocadas naquele verão de oitenta e quatro. Era um samba chamado "É hoje", do Caetano Veloso. Fui cantando junto em pensamento e quando prestei mais atenção na letra, fiquei pasmo. Várias estrofes pareciam descrever com exatidão aquele momento, aquele instante. Cada frase se encaixava com precisão, na minha história. A música tocava e eu ia encaixando as coincidências.
"A minha alegria atravessou o mar" (eu acabara de cruzar alegremente o Mar do Caribe)
"E ancorou na passarela" (eu aterrissei no aeroporto)
"Fez um desembarque fascinante" (igualzinho o ocorrido há pouco)
"No maior show da Terra" (para mim foi o maior show aquela recepção)
"Será que eu serei o dono desta festa, um rei no meio de uma gente tão modesta" (eu era o dono daquela festa, rei sim. Não dizem que em terra de cego quem tem um olho é rei? E aquela minha gente era modesta também, minha família é uma família de gente modesta).
"Eu vim descendo a serra, cheio de euforia para desfilar" (aquilo estava acontecendo naquele instante, era incrível).
"O mundo inteiro espera, hoje é dia do riso chorar" (o meu mundo estava me esperando e chorávamos de alegria)
"Levei o meu samba pra mãe-de-santo rezar. Contra o mau olhado
carrego o meu Patuá "(lembrei de todas as rezas em várias religiões e credos; e também o pedaço de tecido do hábito da Madre Voiron de Itu que eu carregava comigo diariamente)".
"Acredito ser o mais valente, nesta luta do rochedo com o mar" (lembrei-me da força recebida durante toda aquela luta, eu estava forte como uma rocha).
"É hoje o dia da alegria e a tristeza nem pode pensar em chegar" (aquele era um dia de muita alegria e de nenhuma tristeza, com certeza).
"Diga espelho meu, se há na avenida alguém mais feliz que eu" (abaixei o quebra-sol e olhei no espelho. Vi no meu rosto uma expressão de felicidade).
Aquela música não podia ser mais perfeita, era um Hino escrito e executado magicamente, uma encomenda preparada pelos deuses secretos que regem nossas vidas e nossos destinos. Jamais falei sobre aquilo com alguém.
Meus pensamentos foram interrompidos pela vó Rita;
-Enrique. Enrique.
-Fala vó. Respondi.
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Fidel com a dele e eu com a minha.
Non-FictionUma Historia Real, passada nos anos 1980. Imagine, perder a visão aos 22 anos e ficar condenado a cegueira eterna. O que você faria? No cenário, as lindas praias de Guarujá e Miami, apimentadas com um pouquinho de Guerra Fria. Um jovem estudante de...
VOLTANDO PRA CASA
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