Eles falavam um pouco em espanhol e um pouco em inglês. Perguntei de onde eles eram.
-De Curaçao. Disse a senhora chamada Herda, que me apresentou seu marido Paul.
Ela era bem despachada, falante e ria muito. Eram negros, com cerca de cinquenta e poucos anos. Paul também havia sido operado de descolamento de retina no mesmo hospital que eu. Eles disseram que já haviam me visto por lá e por isso sabiam que eu não enxergava. Achei a atitude deles muito legal e continuei a conversar.
Sabia que Curaçao fazia parte das Antilhas Holandesas e que estavam num processo de independentização. Herda me falou que Curaçao era a maior das ilhas e que Aruba era a mais turística e rica. Perguntei qual era o idioma oficial, e disseram que era o papiamento. Curioso, quis saber onde eles haviam aprendido espanhol e o Paul me falou que o papiamento é uma mistura de vários idiomas: dutch, inglês, criolle, espanhol e até mesmo de português.
Achei muito legal e pedi que eles traduzissem algumas palavras para o papiamento.
-Como se fala: como vai você?
-Conta bai cubo. Respondeu a Herda.
-E, eu vou bem obrigado? Perguntei.
-Bas ta bom. Dankee Dios. Disse-me ela.
Nesse minuto chega a Angélica e me pergunta se está tudo bem.
-Bas ta bom. Danke Dios. Respondi.
Ela ficou com cara de não estava entendendo nada - imaginei. Caímos na risada, eu e o casal. Expliquei que estava aprendendo papiamento e apresentei meus novos amigos à minha irmã.
Depois disso, durante o período em que eles estiveram ali, ficávamos sempre batendo papo. Herda ia ao supermercado com a minha mãe e a ajudava nas traduções quando a Angélica não podia acompanhá-la. A cada dia aumentávamos o nosso círculo de amizades e o fato de sermos brasileiros contribuía muito para isso.
Nessa mesma noite, Maria Antonieta subiu para avisar que no domingo o marido já havia marcado outro compromisso e perguntou se o almoço poderia ficar para o domingo seguinte. Minha mãe disse que sim e aproveitou para perguntar se todos comiam frango. Maria Antonieta disse que sim e que ela queria experimentar a receita do frango no limão.
Aquela sexta-feira estava terminando e o segundo andar estava mais movimentado que nas noites anteriores. Resolvi ir me deitar e sair daquele burburinho. Ainda não estava enxergando e ficar ali naquela condição, me incomodava. Como nos quartos não era permitido ter televisão, as pessoas ficavam nas áreas comuns e se socializavam. Muito bem sacada essa idéia! Mais ainda, se considerarmos que essas pessoas precisam arejar suas mentes devido aos problemas de doenças com que estão envolvidas.
Entre buenas noches e good nights, fui me despedindo e rumei para o quarto. Naquele final de semana, fui ao hospital no sábado e no domingo e toda aquela agitação que a gente via de segunda a sexta, desaparecia nos fins de semana. Até mesmo na casa, sentimos que o clima estava bem diferente. Muitas pessoas iam para casa de parentes e amigos. Também soubemos que existiam várias entidades assistenciais que levavam as pessoas para passarem o final de semana na casa de famílias voluntárias; e eu comentei com minha mãe e minha irmã:
-Falam tanto da frieza do povo norte-americano... Isso prova o contrário. Essa solidariedade voluntária, praticamente não existe no Brasil.
Na segunda-feira fomos bem cedo ao hospital e meu olho já estava bem desinchado, praticamente normal. Durante o exame, o Dr. Blumenkranz disse que iria fazer o teste com lentes para ver o grau mais indicado ao meu olho.
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Fidel com a dele e eu com a minha.
Non-FictionUma Historia Real, passada nos anos 1980. Imagine, perder a visão aos 22 anos e ficar condenado a cegueira eterna. O que você faria? No cenário, as lindas praias de Guarujá e Miami, apimentadas com um pouquinho de Guerra Fria. Um jovem estudante de...
A RONALD McDONALD's HOUSE
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