-Tadinho do meu filhão. Disse minha mãe, passando a mão nos meus cabelos.
Como estava demorando um pouco mais do que o normal, fui caminhar pelo corredor com Angélica para dar uma esquentadinha. Nisso, minha mãe nos chamou: era a minha vez.
Entramos na salinha 224 e após nos cumprimentar, o Dr. Blumenkranz quis saber se tínhamos conseguido lugar na Ronald McDonald's House, pois ele havia assinado a carta atestando que eu estava em tratamento no Bascom Palmer Eye Institute. Minha irmã, disse que sim; que estávamos adorando e tudo graças a ele. Estávamos nos sentindo em casa, dissemos.
Ele ficou contente e disse que sempre que podia, mandava seus pacientes para lá, pois era uma ótima opção para quem ficava muito tempo em tratamento. Ele, então, retirou o curativo e quando abri os olhos, pude enxergar bem melhor do que no dia anterior. Era a primeira vez que eu estava enxergando a salinha 216. E era exatamente como haviam descrito: pequena, funcional, praticamente sem nenhum espaço sobrando.
À minha frente, as duas sentadas entre a porta e a parede, mais ou menos a três metros de onde eu estava sentado. Podia vê-las e o melhor, identificá-las. Eu falei:
-Estou vendo vocês.
-Graças a Deus, filho. Disse a minha mãe.
O Dr. Blumenkranz perguntou para a minha irmã, o que estávamos falando. Ela traduziu para ele, que pôs a mão no meu ombro e falou;
-Pretty good Enrique.
Ele, então, se sentou à minha frente e colocou o aparelho para que eu apoiasse o queixo. Uma luz azulada se acendeu e a luz da sala foi apagada.
-Right ...Left ...Up ...Down ...Straight.....
Ele dizia e eu obedecia, então ele se levantou e reclinou minha cadeira para fazer o exame com a lente de mão e a luz presa à testa. Repetiu os mesmos comandos para que eu fosse olhando para todos os lados. Ao final, ele disse que agora podia falar com toda a certeza que estava tudo excelente.
Todos sorriram e novamente vieram as felicitações e agradecimentos. Então o Dr. Blumenkranz quis saber até que dia estaríamos em Miami. Entreolhamo-nos e Angélica perguntou para ele quanto tempo teríamos que ficar.
Ele, sabedor de nossas condições econômicas, pensou um pouco e falou:
-Can you stay here for three more weeks?
Falamos que sim, e ele ficou contente com nossa resposta; dizendo que queria me ver diariamente, e que eu voltasse amanhã na mesma hora.
Falou-me que eu já podia ficar sem o curativo, mas que eu teria que usar um protetor para evitar algum acidente. Era um protetor de alumínio todo furadinho, também preso por esparadrapo.
Voltamos para a Casa McDonald. Enquanto a minha mãe estava cozinhando, fiquei na sala de TV ouvindo a programação da MTV - que estava em alta na época. Os clipes do Michael Jackson, da Madonna e do Prince eram os que mais passavam.
Nessa hora chegou um casal de meia idade e lhes perguntei se queriam mudar de canal. Disseram que não, e perguntaram de onde eu era.
-Yo soy del Brasil. Respondi.
Eles começaram a elogiar o país, dizendo que o Brasil era lindo, que a música brasileira era linda, e que a caipirinha era muy rica e coisa e tal.
Agradeci e fui concordando ao mesmo tempo. Perguntei de onde eles eram e eles disseram que eram peruanos. Eu contei a eles que tinha planejado ir ao Peru com o pessoal da faculdade, via Trem da Morte, que saía de Bauru e ia até a Bolívia. Eu disse que minha intenção era conhecer Machu Pichu, mas que tive o problema no olho e não pude ir.
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Fidel com a dele e eu com a minha.
Non-FictionUma Historia Real, passada nos anos 1980. Imagine, perder a visão aos 22 anos e ficar condenado a cegueira eterna. O que você faria? No cenário, as lindas praias de Guarujá e Miami, apimentadas com um pouquinho de Guerra Fria. Um jovem estudante de...
A RONALD McDONALD's HOUSE
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