Estávamos todos assistindo uma novela no canal latino. Quando a novela terminou, os Cabrera perguntaram se queríamos comer canguil.
-Canguil? Perguntei
-Si, canguil. No te gusta? Perguntou Roxana.
Respondi que nem sabia o que era canguil. Então a Maria Antonieta disse:
-Canguil és pop-corn en el Ecuador.
-Ah ta. Respondi.
-En Brasil és pipoca. Completei.
Eles adoraram o nome pipoca e a partir daquele dia sempre nos perguntavam e queriam lembrar a palavra pipoca. Dona Irmia também disse que canguil em alguns países era conhecido como palomitas de maiz e em outros rositas de maiz.
Palomitas são pombinhas, rositas são rosinhas e maíz é milho. E assim íamos aprendendo a falar espanhol. Passados uns dez minutos, a Roxana chega com duas bacias de canguil, uma fica com os Cabrera e a outra conosco e os Marcillo. Mesmo sem enxergar, eu me servia das pipocas e comia. Dianita, então, veio até nossa bacia e pegava sua pipoca no mesmo lugar em que eu pegava a minha. Segundo minha mãe ia falando, eu tirava a mão e ela colocava a dela no mesmo lugar e eu fiquei tentando enganá-la, fingia que ia pegar num lugar e pegava em outro, mas ela era rapidinha e me imitava. Todos se divertiam com aquela cena.
Aquele foi um dia muito agradável, depois de tantos dias de hospital, eu estava me sentindo em casa. Fomos para o quarto, Angélica já estava deitada; peguei meu walkman e fui dormir. Naquela madrugada, acordei antes das quatro horas e fiquei tentando escutar alguma rádio de Cuba, pois já fazia dias que não escutava nada vindo de lá. Meia hora depois, achei um sinal da Rádio Rebelde e de cara reconheci que era mais um dos discursos do Fidel. Em um dos trechos que consegui escutar claramente, ele falava do novo homem que a Revolução Cubana estava gerando.
-El Hombre nuevo de Cuba, dizia o ditador cubano, várias vezes após explicar algumas das conquistas que a sua revolução havia trazido para Cuba.
Eu também, a partir daquela semana, seria um novo Homem, ou um Hombre nuevo. A revolução que havia se instaurado na minha vida havia decretado isso. Depois de tudo o que havia passado, eu era uma nova pessoa.
Minha cama era a da parede e as delas eram as da janela. Quando a claridade do sol começou a entrar pelo vão da cortina, pude percebê-la e aproveitei para fazer um teste com o meu olho. Tirei o curativo e fui em silêncio até a janela. Abri um pouco mais a cortina e olhei na direção do sol, senti aquela luz alaranjada inundar o meu olho ainda fechado. Coloquei a mão na frente do olho e abri lentamente. Pude ver o céu já azul e o final do nascer do sol, que cheguei a pensar que nunca mais eu veria novamente. Pensei comigo;
"Como é lindo o mundo. Como é tão lindo esse espetáculo. E pensar que muitos nem se importam com ele".
Mesmo sem os óculos, a minha visão já dava mostras de que eu teria uma visão de qualidade aceitável. Às oito e meia, já estávamos no refeitório, aonde comi um delicioso sanduíche de presunto com ovo frito alface e tomate.
Tínhamos que ir para o hospital e não esquecemos de levar nossas blusas.
Era até uma vergonha ir de táxi, mas era melhor não ficar andando e correr o risco de uma queda ou escorregão.
Quando o Dr. Blumenkranz nos viu no corredor, fez questão de nos cumprimentar e avisar que seríamos os próximos. Estava bem frio naquele dia. Contei a elas sobre as duas vezes, no pós operatório, que viera com o médico à clínica antes das sete da manhã e estava ainda mais frio. Num dos dias, até pedi um cobertor e me enrolei nele. Elas acharam graça e ao mesmo tempo ficaram com dó:
JE LEEST
Fidel com a dele e eu com a minha.
Non-fictieUma Historia Real, passada nos anos 1980. Imagine, perder a visão aos 22 anos e ficar condenado a cegueira eterna. O que você faria? No cenário, as lindas praias de Guarujá e Miami, apimentadas com um pouquinho de Guerra Fria. Um jovem estudante de...
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