-The windows here. The TV here. E fui falando e apontando.
-Wonderful Enrique. Falava ele. Fantastic. Fantastic. Came in Enrique. Come with me.
Chamou-me e esperou que eu me levantasse. Colocou a sapatilha ao lado dos meus pés. Perguntou se eu estava bem e deu o braço para eu segurar.
Quando saímos do quarto, virou à esquerda e demos uns dez passos.
Perguntou se eu estava vendo o corredor. Respondi que sim. Ele então falou para eu ficar ali e foi andando na minha frente.
O corredor era muito bem iluminado e a cor branca predominava. Quando ele estava a uns dez metros, quase na saída do corredor, que terminava na central das enfermeiras daquele andar, eu o ouvi chamando as enfermeiras que estavam de plantão e em seguida ele me perguntou:
-Enrique can you came here?
Eu olhei fixamente para frente e vi que dava para vê-lo lá na frente do balcão das enfermeiras e falei que sim. Comecei a andar na direção dele e olhando para o chão pude ver umas linhas coloridas bem no centro do corredor. Essas linhas tinham uns quinze centímetros de largura e cada cor servia para indicar um caminho para as pessoas com pouca visão.
Fui indo e as enfermeiras foram ficando ao lado dele e estavam incrédulas e maravilhadas com o que estavam vendo.
-Miracle. It's a miracle Doctor Blumenkranz. Disse uma delas quando eu estava a três passos do balcão.
Cada passo que dei naquele corredor tinha um significado. Felicidade, vitória, união, superação, liberdade, glória, família, luta, fé e esperança. O último e principal significado daqueles passos era, na realidade, o que aquela enfermeira havia dito por duas vezes: um milagre. Eu escutei em inglês o que eu queria ter escutado em português.
Naquele momento eu me lembrei do dia em que o Dr. Blumenkranz tinha dito que as minhas chances eram de um a três por cento de sucesso e pela reação daquelas enfermeiras, acho que ele tinha dito de um a três por cento, por piedade. Provavelmente, eu não tivesse nem um por cento. Todas me felicitaram e felicitaram também ao médico, que me perguntou:
-Can you go back to the room?
-I think so. Respondi.
Virei-me e fui novamente, passo a passo curtindo aquele caminho que re-inaugurou minha visão. Acabei me perdendo devido à quantidade de portas, mas o Dr. Blumenkranz que vinha logo atrás me orientou:
-One more Enrique.
Ele me ajudou a voltar para a cama e recolocou o curativo. Ele era puro entusiasmo. Falou que voltaria mais tarde e quando se despediu, estendi a mão e o agradeci por tudo que ele tinha feito por mim. Ele disse que estava tudo bem e que ele estava muito feliz por mim.
Meia-hora depois, minha mãe e minha irmã chegaram e lhes contei a grande novidade, e elas não puderam acreditar. Pediram para eu falar a verdade; e eu falei:
-Na hora em que ele voltar, vocês perguntam a ele!
Nem precisava, elas sabiam que eu não brincaria com isso, mas parecia uma coisa fantástica demais, maravilhosa demais. Tomei meu café da manhã enquanto Angélica foi até o telefone para contar as novidades para o pessoal lá de casa. Ela contou que meu pai tinha ficado super emocionado e que ele e meus irmãos iriam começar a avisar a todos imediatamente.
Por volta das dez horas, o Dr. Blumenkranz chegou, acompanhado de outro médico. Ele contou alegremente para elas o que aconteceu pela manhã. Elas o abraçaram, agradeceram e o médico ficou feliz em ver que a família está recuperada. Ele veio até mim e retirou o curativo. Fez o teste dos dedos e então ao mover um pouco a cabeça pude ver a minha mãe e a minha irmã.
Brinquei com elas falando;
-Oii...
O Dr. Blumenkranz brincou também e falava com o outro médico explicando o meu caso. Eles me examinaram com a lente e a luz especiais, o médico me felicitou e congratulou o Dr. Blumenkranz pelo resultado da cirurgia. Ele disse que eu era o responsável por tudo; e repetiu que eu era um excelente paciente. Eles se despediram e antes de sair, o Dr. Blumenkranz anunciou que eu teria alta na manhã seguinte. Finalmente.
Minha mãe tremia de tanta emoção e falamos para ela:
-Olha lá hein! Não vá ter um piripaque logo agora.
Parecia um sonho, mas era a mais pura realidade, eu estava enxergando outra vez. Sem perda de tempo, lá foi a Angélica para o telefone e a minha mãe foi atrás. Voltaram contando que lá em casa só estava a vó Rita, que iriam ligar na hora do almoço e que já tinham falado para a vó ir contando a novidade para quem fosse chegando por lá.
Minha ansiedade era tanta que de vez em quando eu soltava o esparadrapo do curativo e dava uma olhadinha. Ficava olhando a minha mãe, minha irmã e elas às vezes bronqueavam comigo, pois temiam que isso pudesse fazer algum mal. Todo cuidado era pouco, mas era irresistível. Ter a imagem de volta a minha vida era como estar nascendo de novo, era o meu renascimento.
Terça-feira.
Dormi mais do que o normal para aquela época e acordei às seis horas. Mesmo com o curativo, olhei na direção da janela e pude perceber a claridade que entrava por ela. Não resisti e soltei o esparadrapo do curativo que já estava até meio sem cola devido às várias 'roubadinhas' que fiz naquele dia. Afinal, ninguém é de ferro e eu merecia aqueles arroubos.
Fui soltando o curativo, queria certificar-me que estava tudo bem e que eu ainda estava enxergando. Peguei um lenço de papel e cuidadosamente limpei o olho antes de abri-lo com cuidado; até respirei fundo! Sim, eu estava enxergando, até um pouquinho melhor do que no dia anterior.
Era a manhã daquela terça-feira, o dia da alta e conforme fez todos os dias, o Dr. Blumenkranz madrugou. Ele estava muito contente e me levou para a clínica no primeiro andar. Acho que estávamos na sala 224 e ele me examinou nos aparelhos e também com a lente e a luz que naquele exame estava novamente forte e incômoda, como nos tempos de quando eu tinha visão. Eram exames ainda muito difíceis para mim, pois o olho ainda estava inchado, um pouco dolorido e sensível. Pude ver novamente o sorriso em seu rosto ao dizer-me:
-Everything is good Enrique. The retina is attached.
Fiquei emocionado e naquele momento eu queria poder me expressar corretamente e falar para ele de todo o meu agradecimento e o quanto era admirável a sua atenção para comigo. Tentei juntar meu vocabulário limitado e pude criar algumas frases onde consegui transmitir a ele um pouco do muito do que ele havia feito por mim. No final resumi com uma frase curta, mas com um enorme significado:
-You saved my life!
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Fidel com a dele e eu com a minha.
Non-FictionUma Historia Real, passada nos anos 1980. Imagine, perder a visão aos 22 anos e ficar condenado a cegueira eterna. O que você faria? No cenário, as lindas praias de Guarujá e Miami, apimentadas com um pouquinho de Guerra Fria. Um jovem estudante de...
THE THIRD SURGERY
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