Eu ainda teria mais dois dias de hospital e estava ficando cada vez mais ansioso. Depois do almoço elas não voltaram, pois estavam fazendo a troca do hotel. Fiquei sozinho até na manhã seguinte.
Domingo.
Naquela manhã, elas chegaram antes do Dr. Blumenkranz. Era domingo e elas vieram cheias de novidades. Disseram que tinham ligado para o Brasil e que foi a maior festa quando souberam dos primeiros resultados. Falaram que eram só velas acesas por toda a casa. Disseram que a temporada estava ótima, a loja estava vendendo bastante e que eu não me preocupasse com dinheiro, pois tudo iria se ajeitar.
Contaram que várias pessoas estavam ligando em casa para saber de mim e da minha operação. E falaram do novo hotel, que era muito legal e que parecia uma pensão bem familiar e muito confortável.
Pouco depois, entra o Dr. Blumenkranz e cumprimenta a todos, sempre com muita simpatia. Perguntou como eu estava me sentindo e começou a tirar o curativo. Meu Deus! Assim que eu abri o olho tive a impressão de ter visto um pedaço de rosto. Não era impressão! Eu estava vendo mesmo. Eu quase não conseguia falar. E ele, percebendo, me perguntou;
-O que foi Enrique? Está vendo alguma coisa?
Eu disse:
-Sim. Estou vendo o seu rosto! E mostrei no meu rosto a parte que eu estava vendo do rosto dele. Ele sorriu e eu falei:
-Você tem bigodes, né?
-Yes. I have.
Minhas queridas acompanhantes, a essa altura, estavam abraçadas. Eu quase não conseguia manter o olho aberto. Ainda estava muito inchado e um pouco dolorido. Fechei o olho para descansar e pedi um lenço de papel para limpá-lo.
Depois ao abri-lo novamente, Dr. Blumenkranz fez o teste com os dedos e eu disse que estava vendo os dedos, mas não inteiramente. Um eu via a ponta, o outro eu via no meio e pedi para que ele movesse a mão. Então eu falei: são dois dedos.
-Great Enrique! Disse ele, e pediu que eu fechasse os olhos. Recolocou o curativo e conversou um pouco conosco, se mostrando extremamente contente com o que tinha visto.
Quando ele saiu, começou a choradeira; depois eu fui contando o que tinha conseguido ver. Cheguei a ver a minha mãe em pé atrás do Dr. Blumenkranz. Parecia inacreditável! A cirurgia estava dando certo e a cada dia, eu conseguia enxergar mais e mais. Angélica disse que precisava contar aquilo para nosso pai, foi até o telefone público que ficava no corredor e ligou a cobrar.
Estavam todos emocionados lá em casa e disseram que ficássemos o tempo que fosse necessário para que eu voltasse enxergando. Mais tarde eu comentei com elas:
-Se fosse novela, quando o médico vai retirando a bandagem dos olhos da atriz e aí ela abre os olhos, ele pergunta se ela está enxergando e a novela acaba. Só no capítulo seguinte voltam à cena e a mocinha diz que sim, se levanta e abraça todo mundo. Nem óculos usam no resto da novela. Pir córó cócórrr.
Elas riram e concordaram.
Eu havia operado há três dias e a visão ia se aumentando, se formando, bem lentamente. Pedi para a Angélica descobrir se a corrida de Fórmula 1 que aconteceria em Dallas seria televisionada. Eu adorava Fórmula 1 e naquela temporada tinha aparecido o fenômeno Ayrton Senna, dando um show em Mônaco um mês atrás e era a sensação do momento.
Ela ligou a TV e ficou olhando o canal que deixava a programação de todos os canais rolando na tela. Esse canal, o TV Guide, era uma novidade para nós e facilitava enormemente a busca de um programa nos mais de setenta canais disponíveis. Para minha decepção, a corrida não aparecia na programação de nenhum canal.
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Fidel com a dele e eu com a minha.
Non-FictionUma Historia Real, passada nos anos 1980. Imagine, perder a visão aos 22 anos e ficar condenado a cegueira eterna. O que você faria? No cenário, as lindas praias de Guarujá e Miami, apimentadas com um pouquinho de Guerra Fria. Um jovem estudante de...
THE THIRD SURGERY
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