Ela achava graça e pedia para que eu os avisasse da próxima vez e falava para eu ter muito cuidado ao atravessar a estrada. Então lá ia ela para a cozinha fazer um cafezinho pra mim; bem fraquinho e com bastante açúcar.

Ao saber desse relato da tia Ruth, levei um baita susto mas acabei somando isso à minha causa. Afinal, se realmente tudo aquilo fosse como os seguidores do espiritismo diziam ser, a presença da minha querida tia Nita era extremamente alentadora. Se ela estava ali era para ajudar a salvar a minha visão.

No dia seguinte, veio a notícia de que alguns médicos haviam chegado a um consenso. Eu poderia tentar uma opinião nos Estados Unidos, na cidade de Miami, contrariando assim a opinião de outros medicos, que achavam melhor eu usar o dinheiro arrecadado para receber uma reeducação para pessoas que perdem a visão e não gastar em uma viagem onde eu encontraria a mesma resposta que eu já tinha no Brasil. Um dos medicos, contrario a minha ida aos Estados Unidos, chegou a dizer:

- Vocês irão escutar em inglês o que já escutaram em portugues.

As correntes de orações, novenas, e outras atividades religiosas não paravam e nos dez últimos dias de junho, foi intensa a mobilização.

Eu tinha sido operado espiritualmente, a viagem foi marcada para o dia 28 e diariamente as pessoas traziam o conforto da fé, de esperança e de crença na minha cura.

Numa noite enquanto o pessoal fazia um lanche na cozinha, minha prima Rosana estava conversando comigo no quarto e me perguntou:

-Enrique. Como é que você está enxergando?

Eu respondi:

-Rosana, sabe quando você vem descendo a Serra e está um dia de neblina forte e os pára-brisas do carro estão respingados com gotas de chuva?

-Sim. Respondeu ela.

-Pois é assim que eu estou enxergando. Embaçado e irregular, sem definição de nada. Apenas da claridade.

Mais tarde, a Angélica me entregou uma carta. Perguntei quem havia mandado. Ela me disse que era da Universidade Federal da Paraíba. Então pedi que ela lesse para mim. Daquelas seis universidades que eu estava tentando a transferência, até então apenas a de Santa Catarina e a de São Paulo haviam respondido e as duas negaram o pedido. Mas, a resposta da Federal da Paraíba era positiva, eles haviam aceitado o meu pedido de transferência. Mas era tarde demais.

Nessa semana, em uma daquelas tardes de outono, alguém bate na porta do meu quarto e uma voz calma e conhecida diz:

-Boa tarde. Posso entrar?

Era o meu tio Rique, irmão do meu pai.

-Claro tio, entra aí. Disse eu já abrindo um sorriso.

Meu tio era uma pessoa boníssima. Já passado dos setenta anos, mas aparentava mais devido a uma série de problemas havidos com cirurgias mal sucedidas. Ele era extremamente humilde, simples e transmitia uma serenidade única. Apesar da sua aparência papal, ele sempre tinha umas piadinhas de salão para me contar. Desde criancinha eu me acostumei com sua figura. Usava sempre um paletó, camisa social e um chapéu, o qual eu sempre colocava na cabeça enquanto ele nos visitava.

Com a simplicidade e a amabilidade de sempre, tio Rique veio me desejar uma boa viagem e muita sorte em tudo. Antes de se despedir, me entregou um pequeno pedaço de papel que foi recortado de um saquinho de pão.

Abraçou-me e foi embora. Mais tarde perguntei para a minha mãe o que estava escrito naquele pedacinho de papel e entreguei a ela, que leu:

-A fé é Santa!

Fidel com a dele e eu com a minha.Where stories live. Discover now