Naquele momento, eu estava disposto a tentar todas as possibilidades. Recebi visita de messiânicos, evangélicos, católicos, judeus, espíritas e somava todas essas energias a favor da minha recuperação.
Os dias foram passando e meu dia ganhou uma nova dinâmica. Como eu já não tinha mais tempo para mim, pois praticamente sempre tinha alguém me fazendo uma visita ou companhia, passei a usar a noite para trabalhar o meu eu.
Era durante a noite que eu organizava meus pensamentos e me energizava, visando atrair todas as energias positivas que estavam sendo dirigidas a mim.
Fechava os olhos e mentalizava células trabalhando na minha retina, alisando-a, colando-a, consertando-a.
Imaginava que essas células reparadoras fossem graficamente parecidas com os Smurfs. Isso facilitava a imaginação e era como dirigir um imenso set de filmagens. Como eu conhecia o funcionamento do olho humano no seu interior, eu me trasladava para dentro dele e coordenava mentalmente as células animadas para que consertassem a retina. Fazia isso diariamente e várias vezes.
Nessas noites comigo mesmo, eu também chorava. Chorava sozinho, sem testemunhas. Não queria que me vissem chorando. E aquele choro não era de desespero e nem de fraqueza. Eu chorava pelos meus pais, por estar causando tanta tristeza para eles. Eu me colocava no papel deles e imaginava o sofrimento que eles estavam passando em ver um filho aos vinte e dois anos ficar cego para sempre. Chorava bem quietinho.
A campanha para eu ser tratado nos Estados Unidos parecia cada vez mais uma real possibilidade, o que nos deu uma nova esperança. Os médicos acionados por dona Mira, Celso Antonio de Carvalho e John Helal Jr, formado nos Estados Unidos, foram os responsáveis por essa porta que se abria. Renascia a esperança de que algo ainda pudesse ser tentado.
Com essa nova possibilidade de um tratamento no exterior, dona Mira, ciente de que nossas possibilidades econômicas não seriam suficientes para esse projeto, se encarregou de fazer uma coleta. A idéia era a de arrecadar junto às outras famílias que haviam se solidarizado com a minha situação uma quantia em dólares para viabilizar a viagem aos Estados Unidos. Várias pessoas doaram e outras emprestaram valores que eram na sua grande maioria entre quinhentos e mil dólares. Além das famílias do Ed. Guaibê, amigos nossos do Guarujá também participaram dessa coleta. Graças à essas pessoas, tornou-se possível continuar sonhando.
Já havia passado quase vinte dias desde a última consulta com o Dr. Suzuki e a esperança estava em alta. Todos estavam mobilizados, fosse do jeito que fosse.
Chegou então a noite marcada em que eu seria operado espiritualmente. Na hora exata, lá estava eu deitado numa cama com lençóis brancos, vestindo apenas uma cueca branca. Antes, porém, tomei banho e ao final do banho normal, joguei uma água com pétalas de rosas que caiu desde a cabeça até os meus pés. Ao lado da minha cama havia água em um copo e velas acesas. Eu me concentrei e fiquei imóvel ali durante cerca de duas horas.
Confesso que acabei sentindo durante duas vezes, uma fina dor no olho, parecendo uma agulhada; tive essa mesma sensação na barriga.
Depois que acabou, e as pessoas que estavam em casa naquela noite entraram no quarto, vim a saber de um fato impressionante. Segundo eles, minha tia Ruth havia entrado no quarto para assistir a cirurgia, e que a meu lado, além dos espíritos que estavam me operando, estava presente minha tia Nita, irmã do meu pai, morta há menos de quatro anos.
Essa minha tia, quando viva, morava no Guarujá e eu costumava dar umas escapadas até a casa dela à tarde para tomar um cafezinho. Ela era viúva e adorava quando eu ia à sua casa e sempre me perguntava:
-Sua mãe e seu pai sabem que você veio aqui?
Eu respondia:
-Não né Tia. Eu vim escondido. A senhora sabe que a minha mãe não gosta que eu venha de bicicleta para cá.
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Fidel com a dele e eu com a minha.
Non-FictionUma Historia Real, passada nos anos 1980. Imagine, perder a visão aos 22 anos e ficar condenado a cegueira eterna. O que você faria? No cenário, as lindas praias de Guarujá e Miami, apimentadas com um pouquinho de Guerra Fria. Um jovem estudante de...
DIAS INTENSOS
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